sexta-feira, dezembro 03, 2004

Centros de Saúde e CAT só notificaram 7% dos casos

DN 2.12.04

Em duas décadas de epidemia da sida, o registo de notificações por HIV/sida pelas unidades de saúde nacionais dá a ver flutuações, discrepâncias e ausências de difícil entendimento. Assim, apesar de, durante toda a década de noventa, a partilha de material de injecção pelos utilizadores de drogas por via endovenosa ter sido a principal causa notificada de infecção, os Centros de Atendimento a Toxicodependentes (CAT) só enviaram ao Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis notícia de 708 portadores de HIV, o que corresponde a menos de 3% do total de 25 164 casos notificados no período (mais de metade dos quais havia sido infectada pelo uso de drogas por via endovenosa).

Também os Centros de Saúde primaram pela contenção, ao notificarem apenas 4% do total de casos, ou seja, 1018 portadores. Virtualmente inexistente é a percentagem de infectados reportados pela clínica privada: em quase duas décadas, foram quinze pessoas. O grosso dos notificações (90,6%) é devido aos hospitais; mas estes, de acordo com a Comissão Nacional de Luta contra a Sida (CNLCS), chegam a ter índices de subnotificação de 50%. Além disso, quase metade das 25 mil infecções registadas dizem respeito a casos de doença já declarada, o que pode corresponder a um «viés» induzido pelo peso da notificação hospitalar.

Uma das questões suscitadas por estes dados, coligidos pelo Centro de Vigilância das Doenças Transmissíveis (CVEDT), é precisamente a que se deve a exiguidade da notificação não hospitalar. Um investigador da área coloca várias hipóteses: «No caso dos centros de saúde, ou as pessoas ocultam as análises e/ou os comportamentos de risco do seu médico habitual, ou há uma desatenção dos clínicos gerais em relação à problemática do HIV.»

A segunda possibilidade é particularmente preocupante: será que os médicos que constituem a primeira linha do combate à doença estão suficientemente informados sobre ela? Há quem, como Ricardo Camacho, director do Laboratório de Virologia do Hospital Egas Moniz, considere que não: «Em cada inquérito à população sobre HIV ficamos preocupados com o desconhecimento e os comportamentos de risco. Mas se houvesse um inquérito aos médicos ficaríamos ainda mais preocupados

O investimento na rede de cuidados primários de saúde, através de «equipas multidisciplinares na área do HIV e infecções sexualmente transmissíveis em 70% dos centros de saúde», é aliás um dos objectivos da CNLCS, segundo o seu coordenador, António Meliço Silvestre. Será que também os CAT precisam de ser alvo de reforço nesta área? A parca notificação de que estas estruturas dão provas poderá, de acordo com o investigador consultado pelo DN, dever-se ao facto de «enviarem os portadores para as consultas de referência, nos hospitais, e confiarem que lá será efectuado o informe respectivo». Mas, sublinha, «tendo a população toxicodependente um comportamento errático, não há certeza de que vão ao hospital. A notificação deveria ser feita de imediato: os CAT não estão a cumprir a sua obrigação».

Parece óbvio que o dever de reportar infecções de HIV nunca foi muito levado a sério em Portugal. As notificações relativas a cada hospital evidenciam isso mesmo: há unidades que passam de mais de meio milhar de casos no período 1996/2000 a menos de duas centenas entre 2001 e 2003, ou vice-versa; há hospitais centrais que não reportaram mais que centena e meia de infecções em vinte anos de epidemia; outros ainda que não fizeram uma única notificação em 2004.

Refira-se que estes números, a que o DN teve acesso, dizem respeito ao período desde 1985 até Agosto deste ano, antes da entrada em vigor da obrigatoriedade da notificação. A epidemiologista Teresa Paixão, responsável pelo CVEDT, afirmou ao DN que nos últimos três meses o número de notificações tem estado a aumentar a bom ritmo: «O número de casos até ao fim do ano não terá nada a ver com os 25 mil reportados até Agosto.»

A estimativa oficial de infectados, que até há poucos meses era referida por responsáveis da área como sendo de 46 mil, está já «em revisão». Para quanto, depende do incremento nas notificações.

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