sexta-feira, dezembro 03, 2004

"Há Quem Veja o Mundo como Uma Zona Perigosa Onde É Preciso Ter Sorte"

"A actual Comissão Nacional de Luta contra a Sida está a encarar bem esta situação. Está a estabelecer o princípio de, antes de lançar uma campanha de informação, fazer um estudo prévio. É absolutamente essencial existirem estudos prévios que elucidem sobre os temas e as motivações a explorar, questões que têm de ser testadas antes de a campanha ser lançada. "

Então, a campanha actual da CNLCS sobre a magia de Luís de Matos foi antecedida por um teste?

Entrevista Público 1.12.04

O responsável pelo Centro de Estudos da Família do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas diz que, em Portugal, as campanhas de informação têm falhado. As pessoas têm "um razoável conhecimento de como a sida se transmite", mas não alteram os comportamentos de risco. Pensam: "Nunca me aconteceu porque tenho sorte."

Fausto Amaro, responsável pelo Centro de Estudos da Família do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, foi esta semana galardoado com o prémio Dr. José Luís Champalimaud na área das Ciências Sociais e Humanas. Prepara-se agora para coordenar o primeiro inquérito ao impacto das campanhas de informação sobre HIV em Portugal.

PÚBLICO - A sida continua rodeada de mitos. Em Portugal o problema é a falta de informação ou a desinformação?
FAUSTO AMARO - As pessoas dizem saber o que é a sida e têm um razoável conhecimento sobre a forma como se transmite. Mas os termos técnicos "contagioso" e "infeccioso" têm sido usados pela classe médica como sinónimo. Quando passam para a opinião pública geram duas situações: a população que percebe a sida como uma doença contagiosa (em que o vírus é transmitido muito facilmente) tem uma atitude diferente daquela que a vê como doença transmissível apenas em determinadas situações específicas.

A maioria vê a sida como uma doença contagiosa...
Sim. Por isso dizem ter medo de usar as mesmas casas de banho ou de se aproximar de alguém infectado. Mas, curiosamente, as pessoas que vêem a sida como uma doença transmissível nem assim têm um comportamento correcto. Esses portugueses vêem o mundo como uma zona perigosa onde é preciso ter sorte. Pensam: "Nunca me aconteceu porque tenho sorte." E acabam por ter um comportamento divorciado da informação que possuem.

O conhecimento não faz alterar comportamentos?
Todos os estudos nos mostram que não é [apenas] o conhecimento que altera o comportamento. Para que isso aconteça é preciso, para além da informação, querer mudar a atitude. Ou seja, haver predisposição interna da pessoa para agir. Finalmente, é preciso decidir mudar. Tem de haver um comprometimento da pessoa consigo mesma para mudar.

Como é que isso se faz ao nível da comunicação?
As estratégias de mudança de atitude obedecem a metodologias próprias. Por um lado, a estratégia de informação não pode ser de duplo sentido. Tem de ser uma comunicação dirigida às capacidades de percepção do público a que se destina. Por outro lado, tem de ter em conta grupos específicos.
Ao darmos uma mensagem geral de que a sida se transmite por uma agulha, levamos as pessoas a pensar: "Isso não é comigo", e a negarem o risco. É uma má estratégia para a população em geral.

Falhou-se em tudo?
Tem havido grande empenhamento das pessoas, mas temos falhado. A actual Comissão Nacional de Luta contra a Sida está a encarar bem esta situação. Está a estabelecer o princípio de, antes de lançar uma campanha de informação, fazer um estudo prévio. É absolutamente essencial existirem estudos prévios que elucidem sobre os temas e as motivações a explorar, questões que têm de ser testadas antes de a campanha ser lançada.

E depois da campanha?
É preciso dar o passo seguinte, avaliando o impacto. É isso que será feito pelo Centro de Estudos da Família neste mês ou em Janeiro, através de um inquérito que vai mostrar se as campanhas realizadas durante 2004 tiveram algum sucesso.

Além de informação específica, o que é preciso para mudar comportamentos?
A sida é provocada por um vírus mas pressupõe uma interacção social entre duas pessoas, que estão inseridas em grupos sociais. E tem também componentes de ordem cultural, porque a ela estão associadas crenças, valores.
Ora se a sida tem associado a si aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, então a luta contra a doença também tem de ser feita nestes quatro domínios. É preciso congregar toda a sociedade, a escola, as autarquias, os sindicatos, as empresas. E enquanto não conseguirmos montar uma forma de acção permanente nestes vários sectores, cada um está a fazer um esforço de um lado, mas a desguarnecer outro.

Países como o Brasil conseguiram alterar radicalmente a sua situação...
Fala do Brasil, mas também temos a Suíça, que conseguiu fazer crescer, nalguns anos, o uso do preservativo nas relações ocasionais de 8 ou 9 por cento para mais de 60 por cento entre os jovens. Nós nos últimos 14 anos, passámos de uma média de 12 por cento de jovens e de 8 por cento de adultos que usavam sempre preservativo para uma média global de 22 por cento.
Os últimos dados da CNLCS mostram que mesmo nos casos das relações ocasionais só uma minoria em Portugal usa sempre preservativo: cerca de um terço dos inquiridos. Depois há um grupo maior que diz que usa às vezes, o que na prática não significa uma protecção com sucesso.

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