segunda-feira, novembro 21, 2005
Naturalmente imunes?
CM 21.11.05
Um em cada dez europeus pode ter uma mutação genética que o torna resistente ao VIH. A descoberta de novos remédios assenta na cópia dos mecanismos naturais.
Séculos de pestes e epidemias podem ter conferido a dez por cento dos europeus a mutação genética necessária à garantia de imunidade contra o vírus da imunodeficiência humana (VIH). Tal percentagem, avançada recentemente por dois investigadores ingleses, merece referência numa altura em que redobra a atenção aos mecanismos de resistência natural ao vírus da sida. O objectivo é copiá-los para produzir um novo medicamento, eficaz também no tratamento dos doentes, um décimo, que resistem às terapêuticas actualmente disponíveis.
Sabe-se que indivíduos com a mutação genética designada CCR5 – delta 32, expostos ao VIH, não se infectam porque a mutação evita a entrada do vírus nas células do sistema imunitário.
Christopher Duncan e Susan Scott – investigadores da Universidade de Oxford e da Universidade de Liverpool, respectivamente – acreditam que a mutação no CCR5, associada à resistência ao VIH, deu-se em resultado das vagas de peste que assolaram a Europa.
O estudo ‘Reavaliação das Tendências Histórias Selectivas para a Mutação do CCR5 – delta 32’ sugere que o mal veio por bem. E o mal, neste caso, foi não a peste bubónica, mas as epidemias de febres virais hemorrágicas, consideram Duncan e Scott.
TRANSMISSÃO DA MUTAÇÃO
Como as pessoas com a mutação do CCR5 sobreviveram às epidemias, puderam transmiti-la, justificando a prevalência cada vez maior de imunidade nas gerações seguintes. Os investigadores admitem que nos países mais recentemente afectados por epidemias há mais pessoas portadoras da benfazeja mutação. Na Escandinávia, por exemplo, sujeita à peste de Copenhaga de 1771, a taxa de resistência ao VIH pode ascender a 14 ou 15 por cento da população. Outro exemplo, muito citado, de eventual imunidade natural é o de um grupo de prostitutas do Quénia, expostas ao vírus na relação com os clientes e ainda assim saudáveis.
ESPERANÇA E CAUTELA
Em 1997, as mulheres prostitutas dos bairros de lata de Nairobi foram consideradas um factor fundamental na descoberta de uma vacina, que, no entanto, quase dez anos depois, ainda não foi produzida. Naquela altura, médicos e investigadores não esconderam a surpresa e a esperança que lhes causou a resistência de mulheres ao VIH, que vendiam sexo sem protecção numa zona onde a sida era uma entre as doenças mais mortíferas. Era a Deus que as mulheres atribuíam a ‘miraculosa’ imunidade. “Os estudos com base em mecanismos naturais de resistência são feitos há dezenas de anos. O caso das prostitutas do Quénia é um exemplo, ao que sei sem grandes desenvolvimentos e efeitos práticos”, comenta Maria José Campos, médica, recomendando cautela e moderação da esperança.
HOMEM DO MILAGRE ENTREGA-SE À CIÊNCIA
Andrew Stimpson é, até prova em contrário, o rosto de um milagre médico: deixou de ser seropositivo e nem sequer se submeteu a qualquer tratamento. O jovem inglês, que ganha a vida a fazer sanduíches, acaba de ‘entregar-se’ a um especialista inglês, Jonathan Weber, do Hospital de Saint Mary, que pretende descobrir o que tem Andrew de tão especial.
“O professor [Weber] disse-me que deve encontrar as resposta no sangue que foi analisado na Clínica Victoria, em Londres, onde fiz dois testes com resultados positivos ao VIH, seguidos de quatro com resultados negativos.” Andrew ofereceu-se para testes complementares àquelas análises. “Talvez seja necessário realizar mais exames para descobrir se há alguma coisa no meu sistema imunitário que deu cabo do vírus.”
Para o professor Jonathan Weber, investigador do Imperial College, o mais importante é voltar a analisar os primeiros testes, que deram positivo.
EFEITOS SOBRE O FÍGADO SUSPENDEM ENSAIO
Um dos ensaios clínicos relacionados com a nova terapêutica contra o VIH foi suspenso devido aos efeitos tóxicos sobre o fígado. Prosseguem entretanto outros dois, um deles envolvendo doentes internados em hospitais portugueses, na expectativa de, até ao final do próximo ano, comercializar um medicamento baseado nos mecanismos de resistência natural ao vírus.
A ideia é tirar partido de uma mutação genética que elimina o receptor (CCR5) do vírus, existente à superfície da célula. Trata-se pois de impedir a entrada do VIH. Os tratamentos actualmente disponíveis actuam de modo diverso. Os antiretrovirais mais conhecidos actuam bloqueando a reprodução do vírus no interior da célula e inibindo a divisão daquelas que já foram infectadas. Se pensarmos no vírus como uma chave e na célula como uma fechadura, a acção desenvolve-se dentro da fechadura.
Outro tipo de medicamentos actua no canhão da fechadura, tentando impedir a entrada e o movimento da chave. É o caso de um medicamento que evita a fusão do vírus na célula. Nesta analogia o CCR5 é o receptor de entrada do vírus na célula, ou seja, o próprio buraco da fechadura. O medicamento em ensaios clínicos actua a este nível, prévio a qualquer um dos indicados antes. Eliminando, grosso modo, o buraco da fechadura não há maneira de permitir ao vírus a entrada na célula.
(...)
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Deixe que o felicite pelo blog. Deixe-me também que adicione este comentário. Desde 1996 se sabe da identidade dos chamados "co-receptores" dos HIV. O CCR5 é um deles. Existem mais dezoito. O HIV tem várias vantagens em usar como co-receptor a molécula CCR5 (a explicação dava pano para mangas), no entanto, devido à imensa plasticidade da proteína viral que interage com o co-receptor, o HIV consegue interagir com outros co-receptores para além do CCR5. Este facto tem sido descrito na literatura científica. Eu próprio, juntamente com os meus colaboradores, publicamos um estudo (já em 2003) onde, em estirpes de HIV-2, pomos em evidência esse facto. Mais tarde, em 2005, publiquei um artigo de revisão onde, de novo, chamo a atenção para esse facto. O HIV é, por natureza, um vírus com uma enorme capacidade adaptativa. As pressões selectivas impostas pelo sistema imunitário ou por fármacos, conduzem à selecção das variantes que, num dado momento, são as mais aptas a sobreviver. É assim para os inibidores da transcriptase reversa, para os inibidores da protease e é assim para o inibidor de fusão. Para os inibidores dos co-receptores: são bem vindos mas não vão ser melhores do que os outros nesse aspecto. Bem pelo contrário, uma vez que intervêm num passo do ciclo replicativo do HIV que põe em jogo a proteína mais variável do HIV: a proteína externa do invólucro viral.
Pena é que quem publica as notícias nos jornais não tente saber um pouco mais sobre o assunto... ou pedir opinião a quem tem trabalho feito na área.
Abraço, JMAP
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