domingo, abril 09, 2006

Quebra de patentes

Agência Aids 07.04.06

Em 1994, foi criada a Organização Mundial do Comercio (OMC) onde vários países, incluindo o Brasil, assinaram diversos acordos comerciais. Um deles, o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comercio (TRIPS em inglês), trata de questões vinculadas a patentes, marcas e direitos autorais. Para as patentes, ficou garantida ao fabricante, a exclusividade de comercialização do produto por um prazo de 20 anos e a autonomia sobre os preços. O custo disso sai caro, obriga o consumidor a pagar qualquer preço pela manutenção do monopólio, pois não havendo concorrência, não há necessidade de reduzí-los.

Em 2001, os países membros da OMC assinaram um documento, talvez reconhecendo a dureza daquele acordo, que ficou conhecido como Declaração de Doha, em Catar, flexibilizando um pouco mais, admitindo que, em situações de ameaça a saúde pública, ou quando estiver em risco o interesse público, a vida passa a ser reconhecida como um bem maior sobre a propriedade intelectual. Nestas situações, o licenciamento compulsório de um medicamento, eufemismo usado para dizer quebra de patentes, passa a ser procedimento legal.

Imediatamente após a África do Sul permitir então o licenciamento para fabricação de medicamentos contra o HIV, onde o número de mortes devido a Aids é um dos mais elevados do mundo, nada menos que 39 empresas farmacêuticas entraram com processos contra o país. No mesmo ano, o governo norte-americano entrou com uma notificação na OMC contra o Brasil, quando o ministro da Saúde na época ameaçou quebrar a patente de alguns anti-retrovirais. Os Estados Unidos recuaram mediante a promessa do então presidente Fernando Henrique Cardoso obrigando a sempre consultar aquele país antes de solicitar o licenciamento compulsório.

Apesar do governo brasileiro estar desde 2001 liberado para conceder a patente de um medicamento de laboratório estrangeiro para um fabricante nacional, até hoje nunca o Brasil permitiu qualquer medida neste sentido.

Iniciado no início da década de 90 com a distribuição do AZT, o Brasil garante desde 1996, através do SUS, o acesso gratuito e universal dos medicamentos a todas as pessoas convivendo com o HIV, e hoje já são 140.000 que usufruem deste benefício. Como resultado, observou-se uma redução significativa na mortalidade e no número de internações, com reconhecimento mundial e promovendo o Brasil a um dos centros mundiais de referência para o tratamento do HIV.

O Brasil produz 8 daqueles 15 medicamentos distribuídos, sendo que somente 3 deles, protegidos pela lei de patentes, consomem 65% de todo o orçamento destinado a compra dos anti-virais. Caso fosse aplicada a legislação vigente, com o licenciamento compulsório destes 3 fármacos, o programa faria uma economia de R$ 200 milhões já no primeiro ano, que poderiam ser aplicados à pesquisa, qualidade da assistência, etc.

Nos últimos anos, sempre que o governo brasileiro ameaçou usar o direito de quebrar patente, a industria farmacêutica baixa os preços rápida e vigorosamente, mostrando que há sempre bastante gordura para ser queimada... Mesmo assim, a verba destinada para a compra dos medicamentos anti-retrovirais vem aumentando ano a ano: em 2004 foi de R$ 592 milhões contra R$ 945 milhões em 2005.

Se mantivermos a dependência da industria farmacêutica multinacional regendo preços conforme seus interesses e se não transferirmos o direito de fabricação para os laboratórios brasileiros, que em um ano estariam perfeitamente adaptados para a produção, corremos sério risco de, em momento muito próximo, não ser mais possível a sustentação do programa de distribuição gratuita pelo SUS. Isso sem levarmos em conta que a cada ano entram para o programa cerca de 20.000 novos casos e não há perspectiva de aqueles que já se beneficiam sair, pois a doença está se tornando crônica, o tratamento é bem sucedido e oferece perspectivas de sobrevida cada vez maiores.

Caio Rosenthal é médico infectologista.

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