domingo, novembro 27, 2005

"Luta contra a sida deve ser menos medicalizada"

Mais uma vez a comunidade não foi tida nem achida na preparação duma campanha nacional...
Esperemos também que a CNSIDA tenha preparado a capacidade de resposta. Ou já não há listas de espera nos centros hospitalares para a primeira consulta depois dum diagnóstico positivo?


Público 27.11.05

Portugal não tem um retrato da situação em matéria de infecção pelo VIH/sida, mas sim "pequenas fotografias", diz Henrique Barros, coordenador nacional da luta contra a sida. O epidemiologista entende que o sucesso do combate à doença depende de uma actividade "integrada e continuada" e defende a generalização dos testes rápidos de detecção, que já podem ser encomendados na Internet.

Um boneco com o braço direito a ostentar um sinal positivo e o esquerdo a exibir um sinal negativo e um simples apelo: "Só há uma maneira de saber - Faça o teste VIH/sida". Esta é a imagem de marca da primeira campanha a ser lançada quinta-feira - dia mundial da doença - pelo coordenador nacional de luta contra a sida, o epidemiologista Henrique Barros. Uma imagem que permanecerá o tempo necessário para as pessoas interiorizarem a importância de saber se estão ou não infectadas. "Uma política baseada em acções pontuais e desgarradas não serve para nada", explica o médico.

PÚBLICO - Este ano, as comemorações oficiais do Dia Mundial da Luta Contra a Sida vão centrar-se na promoção da realização do teste VIH/sida. Por que razão?
Henrique Barros - O último relatório da ONU Sida chama a atenção, num conjunto de 12 pontos, para a importância do conhecimento do estado serológico. Por isso, vamos valorizar a questão do acesso dos grupos menos favorecidos aos cuidados de saúde. Em Lisboa, vamos usar um centro de aconselhamento e detenção (CAD) [locais onde o diagnóstico é feito de forma anónima] móvel num bairro desfavorecido.

Em Portugal, não se conhece ainda o padrão epidemiológico da infecção VIH/sida?
Conhece-se mal. Ou, dito de outra forma, podia conhecer-se muito melhor. Para isso era necessário, primeiro, que os médicos declarassem a doença a tempo e cuidadosamente; segundo, que houvesse uma política sustentada e persistente de utilização dos testes VIH/sida; e, terceiro, que existisse uma boa rede de gente na área da saúde pública com formação em Epidemiologia para trabalhar a informação em tempo útil.

Não temos um retrato da situação, portanto?
Não, temos pequenas fotografias. [a única coisa que o Meliço-Silvestre fez durante 2 anos...]

Mas a doença passou a ser de declaração obrigatória no início deste ano. As notificações não aumentaram?
Houve algum aumento no número de casos declarados, mas ainda não passou tempo suficiente para perceber se isso é significativo. Pessoalmente, penso que este é um falso problema. Precisamos de saber a extensão da subnotificação. E há maneiras de a calcular, uma parte através de modelação estatística, outra através de informação. Imagine que estão mil doentes em tratamento e só temos 800 pessoas declaradas ou que um laboratório diagnostica numa área mil casos e depois só aparecem 400. Jogando com estas informações, podemos calcular. Isto é um trabalho técnico que nunca foi feito.

As metas do Plano Nacional de Luta Contra a Sida para o triénio 2004-2006 estão longe de ser atingidas. Tenciona refazer este plano?
Ainda não chegamos ao fim de 2006... Primeiro, temos que avaliar tudo o que foi feito. Mas penso que é necessário desmedicalizar o plano. Deve-se pensar num modelo menos medicalizado [da luta contra a sida]. Pode haver outros profissionais, nomeadamente nos centros de saúde.

Como explica o relativo insucesso das várias estratégias de combate ao VIH/sida ao longo dos últimos anos? [relativo?]
O trabalho que se fez não foi suficiente. Isto não quer dizer que não foi feito um bom trabalho, mas que é preciso fazer mais e melhor. O sucesso depende da actividade integrada e continuada. Uma política baseada em acções pontuais e desgarradas não serve para nada e, provavelmente, até é prejudicial.

Mas as campanhas de prevenção vão continuar?
As campanhas com carácter mais mediático são uma parte deste puzzle. Aliás, vamos apresentar uma campanha a apelar para a realização dos testes na quinta-feira [Dia Mundial da Luta Contra a Sida].

Os CAD que existem em todos os distritos (18 fixos e dois em unidades móveis) são pouco procurados (apenas 8 mil pessoas em 2004). Como pensa alterar esta situação?
Os testes VIH/sida não se fazem só nos CAD. O modelo ideal é fazerem-se como parte de uma avaliação laboratorial integrada da pessoa [pelo seu médico assistente ou médico de família]. Mas é preciso ter modelos alternativos para ir de encontro às pessoas que não têm esse acesso e esta alternativa tem que ser cada vez mais móvel.

Esses centros custaram, no ano passado, 577 mil euros para detectarem 153 pessoas infectadas...Vai cortar nesta área?
O problema não se coloca tanto na necessidade de cortar, mas sim na de serem mais eficazes. Um centro destes tem de estar disponível nas horas em que as pessoas não estão a trabalhar.

Por que razão é que só Lisboa e Faro é que têm unidades móveis?
Há também algumas unidades móveis da iniciativa de organizações não governamentais e estamos a discutir a possibilidade de ter um no Porto. Mais tarde, poderemos avançar para uma unidade móvel a nível nacional.

Já advogou publicamente a necessidade de generalização dos testes rápidos...
A tendência natural é que se generalize o acesso aos testes rápidos, até nos hospitais. Sobretudo para não perdermos a oportunidade do contacto. Além disso, hoje já se pode encomendar um teste destes na Internet. E os avanços tecnológicos vão permitir que a pessoa possa ela própria fazer o teste. Temos que antecipar esta realidade e ajudar a população a estar preparada para lidar com o resultado. E não ficarmos à espera que cheguem às farmácias e depois dizermos "ai Jesus".

Preservativos devem ser "muito mais baratos"

Os adolescentes portugueses continuam a usar pouco os preservativos, de acordo com sucessivos inquéritos efectuados.
Uma proporção importante dos adolescentes continua a não usar de uma forma consistente o preservativo. Isto é muito mau. É indiscutível que há aqui um défice de comunicação. Mas também temos que lutar para que os preservativos sejam muito mais baratos. Este é um aspecto fundamental. Por exemplo, em Espanha o preço é muito inferior.

Mas houve países que partiram de situações muito complicadas a este nível e conseguiram bons resultados.
Sim, o Brasil, por exemplo, é um caso evidente de sucesso, graças a uma política muito agressiva de prevenção - no sentido de não confundir falsa moral com ética, o que acontece muitas vezes em Portugal. A questão do preservativo é fundamental. A própria Igreja brasileira, ou as igrejas brasileiras, perceberam que o que estava em causa era a vida. E que, neste conflito de valores, era mais importante assegurar a vida.

Está a pensar pedir a ajuda da Igreja portuguesa?
É muito importante falar com a Igreja e, em muitos sítios, a Igreja tem sido um aliado fundamental. Claro que tenciono pedir a ajuda das igrejas portuguesas.

Além disso, no Brasil, um dos ministros da Saúde deu a cara publicamente e foi fazer o teste...
É evidente que há gestos simbólicos que ajudam. Mas, isolados, também não servem para nada. Há uma coisa de que não se fala e que é muito importante, como mostrar a cara das pessoas doentes [como??] e que, pelas suas escolhas e comportamentos, a população tende a considerar que não estão em risco. Ao contrário de crenças analfabetas, não é por se ser toxicodependente, homossexual ou trabalhador do sexo que uma pessoa se infecta. As pessoas infectam-se porque não tomaram as medidas preventivas necessárias. E é por isso que estamos a assistir a uma preocupante escalada nos casos em heterossexuais.

A substituição da anterior comissão de luta contra a sida por esta estrutura de coordenação vai conseguir alterar a situação?
A sida não é só um problema de saúde, mas de sociedade, portanto faz sentido que haja uma estrutura capaz de coordenar diferentes sectores: trabalho, prisões, segurança social, educação. A ideia é provocar estes sectores para fazerem mais e evitar que andem a fazer a mesma coisa.

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