domingo, novembro 27, 2005

Barros em entrevista ao CM



CM 25.11.05

Henrique Barros é o novo Coordenador Nacional para a Infecção VIH/Sida. Na primeira entrevista que dá ao CM contesta a legalização da prostituição como forma de assegurar a Saúde Pública e aposta na sensibilização dos portugueses para a importância dos testes. Fala ainda da tendência para o decréscimo de novos casos.

Correio da Manhã – O recente caso da prostituta brasileira que morreu com sida em Viseu levanta a questão: a prostituição deve ser legalizada pela defesa da Saúde Pública?

Henrique Barros – A legalização da actividade sexual, como uma profissão, tem de ser independente dos contextos de prevenção da infecção VIH. É um falso problema estar a discutir a questão do regulamentarismo, do abolicionismo, da profissionalização por causa das infecções da sida ou de outras infecções de transmissão sexual.

– A legalização não permitiria às prostitutas maior acesso aos cuidados de saúde e um reforço na prevenção?
– Há países com diferentes regimes que têm sido capazes de criar condições para minimizar os riscos de infecção nessas circunstâncias.

– Como?
– A ideia de que legalizando há controlo, como existe noutras profissões, não é necessariamente verdade. Isso é um falso problema. Podemos discutir se a melhor maneira de encarar a comercialização do sexo é através da legalização ou da regulamentação, mas isso é um problema social, de relações entre as pessoas, que tem de ser visto independentemente das questões da infecção.

– Mas a prostituição é uma actividade de elevado risco de contágio. Por que não legalizar?
– Porque vamos criar uma situação completamente obsessiva de obrigar as pessoas a exames médicos que não são obrigatórios para as outras pessoas. Porque a pesquisa da infecção não é obrigatória, é aconselhada, é promovida. Devemos fazer com que as pessoas façam os testes mas não de uma forma coerciva. Por outro lado, pode criar sensações de falsa segurança que sejam muito prejudiciais no fim.

– Como evitar que as pessoas continuem com comportamentos de risco e não usem o preservativo?
– A regra fundamental é educar. Por ser legal ia modificar essa atitude dos homens? Não. Irá sempre haver uma negociação que nas situações de sexo comercial terá de ser feita e o fundamental é dar poder às mulheres para elas prevenirem essas situações.

– Que tipo de poder?
– Por um lado promovendo o preservativo feminino, por forma a mitigar ou poder ultrapassar algumas dessas circunstâncias. Por outro, criando consciência e apoio social de forma a que as mulheres na prostituição possam negar as situações em que o seu cliente se recusa a usar o preservativo.

– As campanhas de prevenção têm sido ineficazes. Uma das razões apontadas é porque são genéricas, em vez de se dirigirem a públicos-alvo. Vai mudar essa situação?
– Temos de ser capazes de fazer dois tipos diferentes de aproximação. Uma é global – as pessoas que têm actividade sexual correm risco e têm de ter consciência disso e a fidelidade de uma pessoa é só a sua, ela não sabe o que se passa com o outro. Depois tem de haver um esforço para ir ao encontro de grupos especiais: pessoas que usam drogas endovenosas, trabalhadores do sexo, grupos que não estão legalizados no País.

– Como convencer as pessoas a fazer o teste quando não usam o preservativo?
– A capacidade de promover a realização do teste é diferente junto dos universitários, adolescentes e adultos não escolarizados. As pessoas, quando vão ao médico de família ou à Urgência hospitalar, deveriam fazer o teste.

"PODERÁ HAVER MENOS CASOS DE INFECÇÃO EM PORTUGAL"
Henrique Barros revela que nos casos declarados ou notificados este ano parece haver uma diminuição da infecção.“Mas ainda temos de ver e avaliar a extensão da notificação. Se houve menos casos declarados não quer dizer que já serão menos. Pode querer dizer que está a haver menos casos detectados, apesar de que a partir do momento que a declaração passou a ser obrigatória houve um aumento de entrada de declarações. De acordo com dados disponibilizados pelo Instituto Ricardo Jorge, a manter-se o mesmo ritmo, haveria uma boa notícia: aparentemente menos casos de infecção.”
[ainda não aprendemos a lição das aparentes diminuições ano após ano?!]

Contudo, a incidência da infecção ainda é, segundo o coordenador, preocupante. Em 2004 era de 280 casos por milhão de habitantes e os casos de sida (com sintomas visíveis da doença) eram de 80 por milhão de habitantes. São dados dos mais altos da Europa dos 25.

“Agora, o mais importante que temos de ser capazes de fazer é conhecer o risco real nos grupos (prostitutos, heterossexuais, jovens, iletrados) e saber como é que a infecção avançou nesses mesmos grupos.”

PERFIL
Henrique Barros nasceu há 48 anos no Porto. É casado e tem dois filhos. Doutorou-se na Faculdade de Medicina da Universidade daquela cidade, especializando-se em gastrenterologia e, mais tarde, enveredou pela epidemiologia.

Durante a sua vida académica exerceu cargos em várias comissões científicas. Foi assistente hospitalar no Santo António, no Porto, e fez investigação no Hospital Universitário de Lund, na Suécia.

Na sua actividade científica realiza investigação na área da Saúde Pública e clínica, de natureza predominantemente epidemiológica, em especial nos temas de saúde perinatal, infecciologia, doenças cardiovasculares e cancro.

Foi investigador principal e co-investigador em projectos financiados pela Comissão de Fomento da Investigação em Cuidados de Saúde, Projecto Vida, Fundação Gulbenkian, Saúde XXI e Comissão Europeia.

Publicou mais de 100 artigos científicos em revistas indexadas e 16 trabalhos receberam prémios nacionais e internacionais.

Recentemente tomou posse como novo coordenador do programa de luta contra a sida, substituindo no cargo outro epidemiologista: Meliço Silvestre.

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