segunda-feira, novembro 21, 2005
Como não fazer jornalismo
DN 20.11.05
Nova terapia em ensaio para HIV.
Resistência natural ao vírus está na base do medicamento, testado também em Portugal.
elsa costa e silva
A resistência natural ao HIV está na origem de um novo medicamento que em breve chegará ao mercado. Desde que um jovem escocês afirmou ter-se livrado da infecção sem qualquer terapia que a imunidade inata contra a doença está na ordem do dia. Não se sabe como Andrew Stimpson conseguiu eliminar o vírus, mas há dez anos que os cientistas descobriram uma mutação genética que impede a infecção pelo HIV.
A nova terapêutica, cujo primeiro produto pode chegar ao mercado já no final do próximo ano, reproduz esse mecanismo de resistência natural. Três companhias farmacêuticas têm ensaios clínicos a decorrer, um dos quais em Portugal. [correcção: a Glaxo parou todos os estudos devido a toxicidade, a Schering parou metade dos estudos por falta de eficácia e os estudos da Pfizer estão também com problemas de toxicidade]
À partida, não será devido a esta mutação genética que Andrew Stimpson, que teve um diagnóstico de seropositividade, se curou da infecção. Nenhum outro caso como o do jovem escocês foi já observado, pelo que os especialistas encaram com reserva a notícia da cura. Mas há uma imunidade natural cientificamente demonstrada casos já demonstrados de pessoas que, expostas ao HIV, não são infectadas, devido a uma mutação genética que elimina o receptor existente à superfície da célula, usado pelo vírus para entrar. Assim, há determinadas pessoas - que se estima representarem 1,5% da população mundial - que, expostas ao vírus, não chegam sequer a ser infectadas (como o foi o jovem escocês), já que o HIV não entra nas células.
O medicamento, que se encontra na fase de ensaios clínicos, corresponde a uma nova classe terapêutica para tratar doentes infectados com HIV. A expectativa de médicos e doentes é grande [correcção: ERA grande], até porque este novo fármaco poderá ser, à partida, a solução para 10% dos doentes, que desenvolvem resistências fortes aos medicamentos e deixam de responder às terapias.
O cenário mais optimista aponta para o facto de este novo tratamento, inibidor da entrada do vírus na célula, poder constituir uma verdadeira revolução [correcção: já temos um medicamento no mercado: o inibidor de fusão, Fuzeon], impedindo a infecção de se desenvolver - e esta é a grande esperança dos laboratórios farmacêuticos. Os médicos estão mais cautelosos. [quem não está é a jornalista, dando esperanças falsas]
Rui Sarmento e Castro, especialista do Hospital Joaquim Urbano, explica que se trata de "uma arma muito promissora" e que "precisamos muito de novas classes de fármacos". Isto porque "os doentes que estão em tratamento há muitos anos são resistentes a tudo". Assim, o novo fármaco é uma "revolução, no sentido em que o seu mecanismo de acção é diferente, o que significa que passam a existir mais opções de tratamento".
Também a médica Maria José Campos salienta a importância de este ser um medicamento de classe diferente. Mas lembra que é preciso esperar, porque nem sempre o que funciona em laboratório tem o mesmo efeito nas pessoas. Por outro lado, esta terapêutica terá de ser administrada em conjunto com outros retrovirais, "porque o vírus tem um mecanismo muito elaborado de fuga ao sistema imunitário e à acção dos medicamentos". E, devido às mutações, o HIV poderá encontrar novas formas de entrar nas células. Para já, o novo tratamento é essencial "porque precisamos de medicamentos de outras classes para combater as resistências".
[comentário da citada: "A conversa com o DN tinha pelo menos 1 mês. Deve ter havido alguma notícia de Dublin, do congresso europeu, que fez despoletar um artigo que já estava escrito e muito mal amanhado. Felizmente que já nessa altura eu tinha referido que era preciso cautela."]
Um dos ensaios clínicos decorre, aliás, em Portugal, envolvendo 25 pessoas e quatro instituições hospitalares. [correcção: os estudos da Glaxo foram parados. Quem estiver no estudo dos experimentados pode continuar o tratamento até ao final do ano quando o estudo será completamente fechado] A companhia farmacêutica responsável por este programa é a GlaxoSmithKline, que inclui doentes já em tratamento nos hospitais Pulido Valente, Joaquim Urbano, Curry Cabral e Barlavento Algarvio. Uma segunda empresa, a Schering-Plough, está também na corrida.
Contudo, a primeira companhia a colocar o fármaco no mercado poderá ser a Pfizer, que, neste momento, tem cerca de quatro mil doentes em todo o mundo registados no seu protocolo de fase III. O programa final deste ensaio clínico envolve, após larga discussão a nível mundial, três estudos com doentes ditos naïfs, ou seja, que não se submeteram a qualquer outro tratamento prévio. O objectivo é demonstrar a validade da terapia em fases iniciais da infecção, sobretudo porque é aí que o gene envolvido na imunidade, quando não mutado, tem maior interferência.
Os testes já realizados conseguiram demonstrar que o novo tratamento consegue reduzir significativamente a carga viral nas pessoas infectadas e que esse efeito se mantém até dez dias após a última dose. O desenho da fase III incluiu vastos programas mundiais de ensaios e foram administradas duas doses diferentes. A aposta da companhia neste novo produto é grande e, por isso, não se quer correr riscos para além de envolver grandes centros referenciados no tratamento do HIV, os ensaios clínicos têm sistemas de controlo apertados de segurança, no que diz respeito à eficácia e tolerância. [coincidência infeliz: a Pfizer comunicou ontem que, neste estudo, houve um caso grave de hepato-toxicidade que obrigou a um transplante de figado]
De acordo com as práticas clínicas em vigor, que têm sido a regra desde que os medicamentos contra o HIV começaram a aparecer, a nova terapêutica será administrada em combinação com os actuais produtos que já estão no mercado.
Nova terapia em ensaio para HIV.
Resistência natural ao vírus está na base do medicamento, testado também em Portugal.
elsa costa e silva
A resistência natural ao HIV está na origem de um novo medicamento que em breve chegará ao mercado. Desde que um jovem escocês afirmou ter-se livrado da infecção sem qualquer terapia que a imunidade inata contra a doença está na ordem do dia. Não se sabe como Andrew Stimpson conseguiu eliminar o vírus, mas há dez anos que os cientistas descobriram uma mutação genética que impede a infecção pelo HIV.
A nova terapêutica, cujo primeiro produto pode chegar ao mercado já no final do próximo ano, reproduz esse mecanismo de resistência natural. Três companhias farmacêuticas têm ensaios clínicos a decorrer, um dos quais em Portugal. [correcção: a Glaxo parou todos os estudos devido a toxicidade, a Schering parou metade dos estudos por falta de eficácia e os estudos da Pfizer estão também com problemas de toxicidade]
À partida, não será devido a esta mutação genética que Andrew Stimpson, que teve um diagnóstico de seropositividade, se curou da infecção. Nenhum outro caso como o do jovem escocês foi já observado, pelo que os especialistas encaram com reserva a notícia da cura. Mas há uma imunidade natural cientificamente demonstrada casos já demonstrados de pessoas que, expostas ao HIV, não são infectadas, devido a uma mutação genética que elimina o receptor existente à superfície da célula, usado pelo vírus para entrar. Assim, há determinadas pessoas - que se estima representarem 1,5% da população mundial - que, expostas ao vírus, não chegam sequer a ser infectadas (como o foi o jovem escocês), já que o HIV não entra nas células.
O medicamento, que se encontra na fase de ensaios clínicos, corresponde a uma nova classe terapêutica para tratar doentes infectados com HIV. A expectativa de médicos e doentes é grande [correcção: ERA grande], até porque este novo fármaco poderá ser, à partida, a solução para 10% dos doentes, que desenvolvem resistências fortes aos medicamentos e deixam de responder às terapias.
O cenário mais optimista aponta para o facto de este novo tratamento, inibidor da entrada do vírus na célula, poder constituir uma verdadeira revolução [correcção: já temos um medicamento no mercado: o inibidor de fusão, Fuzeon], impedindo a infecção de se desenvolver - e esta é a grande esperança dos laboratórios farmacêuticos. Os médicos estão mais cautelosos. [quem não está é a jornalista, dando esperanças falsas]
Rui Sarmento e Castro, especialista do Hospital Joaquim Urbano, explica que se trata de "uma arma muito promissora" e que "precisamos muito de novas classes de fármacos". Isto porque "os doentes que estão em tratamento há muitos anos são resistentes a tudo". Assim, o novo fármaco é uma "revolução, no sentido em que o seu mecanismo de acção é diferente, o que significa que passam a existir mais opções de tratamento".
Também a médica Maria José Campos salienta a importância de este ser um medicamento de classe diferente. Mas lembra que é preciso esperar, porque nem sempre o que funciona em laboratório tem o mesmo efeito nas pessoas. Por outro lado, esta terapêutica terá de ser administrada em conjunto com outros retrovirais, "porque o vírus tem um mecanismo muito elaborado de fuga ao sistema imunitário e à acção dos medicamentos". E, devido às mutações, o HIV poderá encontrar novas formas de entrar nas células. Para já, o novo tratamento é essencial "porque precisamos de medicamentos de outras classes para combater as resistências".
[comentário da citada: "A conversa com o DN tinha pelo menos 1 mês. Deve ter havido alguma notícia de Dublin, do congresso europeu, que fez despoletar um artigo que já estava escrito e muito mal amanhado. Felizmente que já nessa altura eu tinha referido que era preciso cautela."]
Um dos ensaios clínicos decorre, aliás, em Portugal, envolvendo 25 pessoas e quatro instituições hospitalares. [correcção: os estudos da Glaxo foram parados. Quem estiver no estudo dos experimentados pode continuar o tratamento até ao final do ano quando o estudo será completamente fechado] A companhia farmacêutica responsável por este programa é a GlaxoSmithKline, que inclui doentes já em tratamento nos hospitais Pulido Valente, Joaquim Urbano, Curry Cabral e Barlavento Algarvio. Uma segunda empresa, a Schering-Plough, está também na corrida.
Contudo, a primeira companhia a colocar o fármaco no mercado poderá ser a Pfizer, que, neste momento, tem cerca de quatro mil doentes em todo o mundo registados no seu protocolo de fase III. O programa final deste ensaio clínico envolve, após larga discussão a nível mundial, três estudos com doentes ditos naïfs, ou seja, que não se submeteram a qualquer outro tratamento prévio. O objectivo é demonstrar a validade da terapia em fases iniciais da infecção, sobretudo porque é aí que o gene envolvido na imunidade, quando não mutado, tem maior interferência.
Os testes já realizados conseguiram demonstrar que o novo tratamento consegue reduzir significativamente a carga viral nas pessoas infectadas e que esse efeito se mantém até dez dias após a última dose. O desenho da fase III incluiu vastos programas mundiais de ensaios e foram administradas duas doses diferentes. A aposta da companhia neste novo produto é grande e, por isso, não se quer correr riscos para além de envolver grandes centros referenciados no tratamento do HIV, os ensaios clínicos têm sistemas de controlo apertados de segurança, no que diz respeito à eficácia e tolerância. [coincidência infeliz: a Pfizer comunicou ontem que, neste estudo, houve um caso grave de hepato-toxicidade que obrigou a um transplante de figado]
De acordo com as práticas clínicas em vigor, que têm sido a regra desde que os medicamentos contra o HIV começaram a aparecer, a nova terapêutica será administrada em combinação com os actuais produtos que já estão no mercado.