quarta-feira, outubro 12, 2005
Activistas criticam acordo brasileiro sobre Kaletra
Agência AIDS 11.10.05
Agência AIDS 12.10.05
Depois de várias ameaças, o governo brasileiro decidiu manter a trégua com os fabricantes internacionais de medicamentos anti-retrovirais. O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, anunciou nesta terça-feira, 11, em Brasília, um acordo com o laboratório Abbott para diminuir em 46,15% o preço do Kaletra, uma das drogas mais caras que integram o coquetel anti-Aids, distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com o acordo, o preço unitário do medicamento passa de US$ 1,17 para US$ 0,63. A expectativa é de uma economia de US$ 339,5 milhões entre 2006 e 2011.
Segundo o ministro, não foi necessário adotar o licenciamento compulsório do Kaletra, porque o preço negociado é menor do que o praticado, caso o medicamento passasse a ser fabricado por laboratórios nacionais. “Chegamos a um acordo honroso, mas se o laboratório fosse intransigente e começasse a impor regras, não afastaríamos a hipótese de quebrar a patente”, disse. O secretário Nacional de Saúde, Jarbas Barbosa, informou que países como a Argentina pagam três vezes mais pelo mesmo produto, chegando a US$ 1,88 por cápsula do Kaletra. “O preço acordado com o governo brasileiro é menor do que o que foi oferecido pela Abbott e o laboratório indiano Cipla, durante a reunião de negociação dos países da América do Sul”, afirmou Jarbas Barbosa.
Ficou acertado com o Abbott que, em fevereiro de 2006, último mês do contrato em vigor, das 11,8 milhões de cápsulas do Kaletra que serão compradas, 2,8 milhões já estarão com preço de US$ 0,63. Depois de março, o valor passa a ser praticado em todas as compras do anti-retroviral. Além da economia alcançada, o Brasil poderá adquirir a nova fórmula do Kaletra – Meltrex -, que chega ao mercado brasileiro em 2007. O Meltrex é um novo inibidor de protease composto por quatro cápsulas, duas a menos que o Kaletra e possui efeitos colaterais mais amenos. O novo remédio será oferecido pelo Abbott com um acréscimo de 10% sobre o valor da fórmula atual. O Abbott também se comprometeu em doar o anti-retroviral Novir e outros produtos de escolha do Ministério da Saúde, no valor de US$ 3 milhões. Serão beneficiados, segundo Saraiva Felipe, 23 mil dos 163 mil pacientes que dependem dos medicamentos anti-Aids distribuídos pelo SUS.
Saraiva Felipe explicou que durante mais de três meses de negociações, diversos órgãos governamentais foram envolvidos. Um deles, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) teve que intervir no acordo para impedir que houvesse retaliação às exportações brasileiras. “Foi uma negociação difícil porque houve resistência, mas prevaleceu o direito à saúde de todos os portadores do HIV/Aids”, disse.
Para o ex-coordenador do Programa Nacional de DST/Aids e atual consultor do programa estadual de São Paulo, Paulo Roberto Teixeira, o Brasil está protegido por leis internacionais que impedem represálias caso um país adote licença compulsória em favor da saúde pública. “Esse tipo de ameaça é ilegal e as leis internacionais são claras em afirmar que o Brasil está protegido desse tipo de ameaça”, explicou. A garantia do direito consta na Lei de Patentes do Brasil, no acordo internacionais Trips, que aborda os temas de propriedade intelectual relacionados ao comércio e na Declaração de Doha, que aplica o Trips às questões de saúde pública.
Embate político
Segundo o ministro Saraiva Felipe, uma das razões para não investir na proposta de licenciamento compulsório foi a troca do Kaletra pelo Meltrex. “Em caso de quebra de patente corríamos o risco de ter a fabricação de medicamento obsoleto no período de dois anos”, disse. Ele acrescentou que isso acarretaria graves problemas no fornecimento da nova fórmula aos brasileiros. Para Paulo Roberto Teixeira, o argumento não é válido já que está comprovado que ambos os medicamentos possuem a mesma fórmula. “Só a apresentação que é diferente”, comentou. Para ele, o Meltrex é o mesmo medicamento, com mesma matéria-prima e custo de fabricação. “O argumento que diminui efeitos colaterais é uma obrigação do fabricante”, enfatizou.
Outro ponto ressaltado por Saraiva Felipe foi a transferência de tecnologia, item indispensável para que o Brasil comece a produzir todos os anti-retrovirais em território nacional. Hoje, apenas oito, dos 17 medicamentos que compõe as drogas distribuídas gratuitamente, têm fabricação brasileira. A transferência de tecnologia ficou de fora do contrato por motivos técnicos, segundo o ministro. “Ainda são necessários testes de bioequivalência para que a produção do Kaletra seja sustentada pela indústria nacional”. Somado a isso, Saraiva Felipe citou fatores como embalagem e distribuição que encareceriam o preço do produto.
Itens, que na opinião de Paulo Roberto Teixeira não justificam a falta de investimento na indústria brasileira. “Na verdade, pode existir um embate político, mas tecnologicamente não há impedimento”. Ele afirmou que sem investimento na indústria nacional seremos sempre reféns de outros países. “A melhor solução teria sido, há dois meses, quando houve reunião do Conselho Nacional de Saúde para discutir a quebra de patentes dos anti-retrovirais, investir na licença compulsória com a produção de genéricos que abasteceriam o mercado nacional”, ressaltou o consultor do programa estadual de São Paulo. Na mesma ocasião, os laboratórios nacionais garantiram que poderiam produzir o Kaletra a US$ 0,41, caso fosse decretado o licenciamento compulsório.
Introdução do Kaletra na terapia anti-retroviral
O Ministério da Saúde iniciou a distribuição do Kaletra na rede pública de saúde em dezembro de 2002. Fabricado pelo Abbott, o medicamento chegou ao mercado como um dos mais novos inibidores de protease, proteína que favorece a transmissão do HIV, e foi incluído na lista dos medicamentos distribuídos depois de negociações para redução do preço. O Kaletra havia sido recomendado pela Comissão Nacional de Aids (CNAIDS) para tratar pacientes que não respondiam mais às combinações dos outros medicamentos do coquetel anti-retroviral. Na época, aproximadamente, 7,5 mil pacientes com Aids, que recebiam medicação pelo SUS, tinham indicação terapêutica para usar o medicamento. Hoje, o número chega a 23 mil pacientes tratados com Kaletra. Estimativas do Ministério da Saúde mostram que a cada ano seis mil novos pacientes vão começar a usar o remédio
NA OPINIÃO DE ATIVISTAS, O MINISTÉRIO DA SAÚDE DESRESPEITOU O CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE AO FECHAR ACORDO COM O LABORATÓRIO ABBOTT
O acordo fechado pelo governo federal com o laboratório Abbott para a compra do anti-retroviral Kaletra não satisfez os ativistas. A omissão à questão da transferência de tecnologia, a duração muito longa do contrato para um medicamento que pode estar obsoleto em pouco tempo, a exclusão da sociedade civil nas negociações e o desrespeito à resolução do Conselho Nacional de Saúde que recomendou ao ministério da Saúde o licenciamento compulsório de três anti-retrovirais, entre eles o kaletra, foram alguns dos problemas levantados.
O representante da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais da organização não governamental “Médicos Sem Fronteiras”(MSF), Michel Lotrowska acha importante ter acessoa ao texto do acordo para saber se não há nenhuma cláusula que torne o Brasil refém do laboratório. “Ninguém nega que a economia proporcionada pelo acordo é substancial, porém o governo afirma que o preço estabelecido no acordo é o melhor do mundo e isso não é verdade. Há países onde o tratamento com o Kaletra sai por US$ 500 dólares por paciente ao ano, enquanto o valor fechado de U$ 0,63 pelo governo com o Abbott, significa que o custo do paciente/ano para o Brasil ficará em US$ 1380”, comentou o ativista.
Lotrowska disse que a preocupação da MSF é com a sustentabilidade do tratamento a longo prazo. Segundo ele, o tratamento com três medicamentos de primeira geração hoje custam US$ 700 por paciente/ano. “A tendência é que, com o tempo, o paciente passe para os remédios de 2ª geração, que custam de 5 a 12 vezes mais que os de primeira. Com apenas o Kaletra representando um custo de US$ 1.380 por paciente/ano, a despesa com um paciente que mudar de terapia pode chegar a representar mais de US$ 4.000 por ano”, concluiu.
Para o integrante do Pela Vidda de São Paulo, Mário Scheffer, não foi um bom acordo para o Brasil, “porque quem ditou as regras foram os laboratórios. O ministro preferiu ceder aos interesses da indústria farmacêutica do que contemplar as resoluções do Conselho Nacional de Saúde, do qual ele é presidente e que recomendou o licenciamento compulsório do kaletra, do efavirenz e do tenofovir.” Scheffer acredita que pelo fato da transferência de tecnologia não estar prevista, o acordo é apenas um paliativo, resolvendo o problema a curto prazo mas não dando condições ao Brasil de produzir genéricos de última geração.
Em artigo publicado na última semana pela Agência de Notícias da Aids , o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da REBRIP (Rede Brasileira pela Integração dos Povos), coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – ABIA, afirmou que “causa-nos surpresa e indignação o fato de que novamente tomemos conhecimento pela imprensa de que um novo acordo com o Abbott está prestes a ser assinado pelo novo ministro da saúde, Sr. Saraiva Felipe, que como seu antecessor, realizou a negociação às escondidas e sob termos que a sociedade civil e até o próprio governo desconhece. O caráter de pessoalidade que marca as negociações configura o descaso com a vida de milhares de brasileiros que dependem do sucesso e da manutenção do Programa Nacional de Aids. A ausência de publicidade dos atos públicos, sobretudo de atos que envolvem ‘a soberania nacional’, como o próprio ministro afirmou, caracteriza uma postura inaceitável, autoritária e inconstitucional”.
O integrante do Grupo de Incentivo à Vida e membro do Comitê Nacional de Vacinas Jorge Beloqui declarou que o preço estabelecido para a compra do kaletra é um paliativo que serviria para, no máximo, um ano. “O acordo tem vários problemas. Por que fechar um acordo por seis anos com o mesmo preço, que termina às vésperas do fim da validade da patente do medicamento? Além disso, os preços na África são menores e nesse período podem surgir remédios similares concorrentes a um preço inferior. Ninguém sabe qual será a vida útil do kaletra”, questionou Beloqui.
Outros problemas citados pelo ativista são o fato do acordo não contemplar a transferência de tecnologia, um requerimento previsto pelo acordo TRIPS, e também a atitude do ministro de ignorar a recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para que o governo emitisse a licença compulsória do kaletra, do efavirenz e do tenofovir.
Jorge Beloqui disse estar decepcionado com o resultado da negociação, pois acreditou que quando o ex-ministro Humberto Costa declarou o kaletra como um medicamento de interesse público, na presença do presidente Lula, “isto conferiria uma outra seriedade ao assunto. Ao não submeter o acordo à avaliação do CNS, o ministro desrespeitou o Conselho. Agora os membros do Conselho vão discutir em cima de um fato consumado?”, questionou.
Agência AIDS 12.10.05
Depois de várias ameaças, o governo brasileiro decidiu manter a trégua com os fabricantes internacionais de medicamentos anti-retrovirais. O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, anunciou nesta terça-feira, 11, em Brasília, um acordo com o laboratório Abbott para diminuir em 46,15% o preço do Kaletra, uma das drogas mais caras que integram o coquetel anti-Aids, distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com o acordo, o preço unitário do medicamento passa de US$ 1,17 para US$ 0,63. A expectativa é de uma economia de US$ 339,5 milhões entre 2006 e 2011.
Segundo o ministro, não foi necessário adotar o licenciamento compulsório do Kaletra, porque o preço negociado é menor do que o praticado, caso o medicamento passasse a ser fabricado por laboratórios nacionais. “Chegamos a um acordo honroso, mas se o laboratório fosse intransigente e começasse a impor regras, não afastaríamos a hipótese de quebrar a patente”, disse. O secretário Nacional de Saúde, Jarbas Barbosa, informou que países como a Argentina pagam três vezes mais pelo mesmo produto, chegando a US$ 1,88 por cápsula do Kaletra. “O preço acordado com o governo brasileiro é menor do que o que foi oferecido pela Abbott e o laboratório indiano Cipla, durante a reunião de negociação dos países da América do Sul”, afirmou Jarbas Barbosa.
Ficou acertado com o Abbott que, em fevereiro de 2006, último mês do contrato em vigor, das 11,8 milhões de cápsulas do Kaletra que serão compradas, 2,8 milhões já estarão com preço de US$ 0,63. Depois de março, o valor passa a ser praticado em todas as compras do anti-retroviral. Além da economia alcançada, o Brasil poderá adquirir a nova fórmula do Kaletra – Meltrex -, que chega ao mercado brasileiro em 2007. O Meltrex é um novo inibidor de protease composto por quatro cápsulas, duas a menos que o Kaletra e possui efeitos colaterais mais amenos. O novo remédio será oferecido pelo Abbott com um acréscimo de 10% sobre o valor da fórmula atual. O Abbott também se comprometeu em doar o anti-retroviral Novir e outros produtos de escolha do Ministério da Saúde, no valor de US$ 3 milhões. Serão beneficiados, segundo Saraiva Felipe, 23 mil dos 163 mil pacientes que dependem dos medicamentos anti-Aids distribuídos pelo SUS.
Saraiva Felipe explicou que durante mais de três meses de negociações, diversos órgãos governamentais foram envolvidos. Um deles, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) teve que intervir no acordo para impedir que houvesse retaliação às exportações brasileiras. “Foi uma negociação difícil porque houve resistência, mas prevaleceu o direito à saúde de todos os portadores do HIV/Aids”, disse.
Para o ex-coordenador do Programa Nacional de DST/Aids e atual consultor do programa estadual de São Paulo, Paulo Roberto Teixeira, o Brasil está protegido por leis internacionais que impedem represálias caso um país adote licença compulsória em favor da saúde pública. “Esse tipo de ameaça é ilegal e as leis internacionais são claras em afirmar que o Brasil está protegido desse tipo de ameaça”, explicou. A garantia do direito consta na Lei de Patentes do Brasil, no acordo internacionais Trips, que aborda os temas de propriedade intelectual relacionados ao comércio e na Declaração de Doha, que aplica o Trips às questões de saúde pública.
Embate político
Segundo o ministro Saraiva Felipe, uma das razões para não investir na proposta de licenciamento compulsório foi a troca do Kaletra pelo Meltrex. “Em caso de quebra de patente corríamos o risco de ter a fabricação de medicamento obsoleto no período de dois anos”, disse. Ele acrescentou que isso acarretaria graves problemas no fornecimento da nova fórmula aos brasileiros. Para Paulo Roberto Teixeira, o argumento não é válido já que está comprovado que ambos os medicamentos possuem a mesma fórmula. “Só a apresentação que é diferente”, comentou. Para ele, o Meltrex é o mesmo medicamento, com mesma matéria-prima e custo de fabricação. “O argumento que diminui efeitos colaterais é uma obrigação do fabricante”, enfatizou.
Outro ponto ressaltado por Saraiva Felipe foi a transferência de tecnologia, item indispensável para que o Brasil comece a produzir todos os anti-retrovirais em território nacional. Hoje, apenas oito, dos 17 medicamentos que compõe as drogas distribuídas gratuitamente, têm fabricação brasileira. A transferência de tecnologia ficou de fora do contrato por motivos técnicos, segundo o ministro. “Ainda são necessários testes de bioequivalência para que a produção do Kaletra seja sustentada pela indústria nacional”. Somado a isso, Saraiva Felipe citou fatores como embalagem e distribuição que encareceriam o preço do produto.
Itens, que na opinião de Paulo Roberto Teixeira não justificam a falta de investimento na indústria brasileira. “Na verdade, pode existir um embate político, mas tecnologicamente não há impedimento”. Ele afirmou que sem investimento na indústria nacional seremos sempre reféns de outros países. “A melhor solução teria sido, há dois meses, quando houve reunião do Conselho Nacional de Saúde para discutir a quebra de patentes dos anti-retrovirais, investir na licença compulsória com a produção de genéricos que abasteceriam o mercado nacional”, ressaltou o consultor do programa estadual de São Paulo. Na mesma ocasião, os laboratórios nacionais garantiram que poderiam produzir o Kaletra a US$ 0,41, caso fosse decretado o licenciamento compulsório.
Introdução do Kaletra na terapia anti-retroviral
O Ministério da Saúde iniciou a distribuição do Kaletra na rede pública de saúde em dezembro de 2002. Fabricado pelo Abbott, o medicamento chegou ao mercado como um dos mais novos inibidores de protease, proteína que favorece a transmissão do HIV, e foi incluído na lista dos medicamentos distribuídos depois de negociações para redução do preço. O Kaletra havia sido recomendado pela Comissão Nacional de Aids (CNAIDS) para tratar pacientes que não respondiam mais às combinações dos outros medicamentos do coquetel anti-retroviral. Na época, aproximadamente, 7,5 mil pacientes com Aids, que recebiam medicação pelo SUS, tinham indicação terapêutica para usar o medicamento. Hoje, o número chega a 23 mil pacientes tratados com Kaletra. Estimativas do Ministério da Saúde mostram que a cada ano seis mil novos pacientes vão começar a usar o remédio
NA OPINIÃO DE ATIVISTAS, O MINISTÉRIO DA SAÚDE DESRESPEITOU O CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE AO FECHAR ACORDO COM O LABORATÓRIO ABBOTT
O acordo fechado pelo governo federal com o laboratório Abbott para a compra do anti-retroviral Kaletra não satisfez os ativistas. A omissão à questão da transferência de tecnologia, a duração muito longa do contrato para um medicamento que pode estar obsoleto em pouco tempo, a exclusão da sociedade civil nas negociações e o desrespeito à resolução do Conselho Nacional de Saúde que recomendou ao ministério da Saúde o licenciamento compulsório de três anti-retrovirais, entre eles o kaletra, foram alguns dos problemas levantados.
O representante da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais da organização não governamental “Médicos Sem Fronteiras”(MSF), Michel Lotrowska acha importante ter acessoa ao texto do acordo para saber se não há nenhuma cláusula que torne o Brasil refém do laboratório. “Ninguém nega que a economia proporcionada pelo acordo é substancial, porém o governo afirma que o preço estabelecido no acordo é o melhor do mundo e isso não é verdade. Há países onde o tratamento com o Kaletra sai por US$ 500 dólares por paciente ao ano, enquanto o valor fechado de U$ 0,63 pelo governo com o Abbott, significa que o custo do paciente/ano para o Brasil ficará em US$ 1380”, comentou o ativista.
Lotrowska disse que a preocupação da MSF é com a sustentabilidade do tratamento a longo prazo. Segundo ele, o tratamento com três medicamentos de primeira geração hoje custam US$ 700 por paciente/ano. “A tendência é que, com o tempo, o paciente passe para os remédios de 2ª geração, que custam de 5 a 12 vezes mais que os de primeira. Com apenas o Kaletra representando um custo de US$ 1.380 por paciente/ano, a despesa com um paciente que mudar de terapia pode chegar a representar mais de US$ 4.000 por ano”, concluiu.
Para o integrante do Pela Vidda de São Paulo, Mário Scheffer, não foi um bom acordo para o Brasil, “porque quem ditou as regras foram os laboratórios. O ministro preferiu ceder aos interesses da indústria farmacêutica do que contemplar as resoluções do Conselho Nacional de Saúde, do qual ele é presidente e que recomendou o licenciamento compulsório do kaletra, do efavirenz e do tenofovir.” Scheffer acredita que pelo fato da transferência de tecnologia não estar prevista, o acordo é apenas um paliativo, resolvendo o problema a curto prazo mas não dando condições ao Brasil de produzir genéricos de última geração.
Em artigo publicado na última semana pela Agência de Notícias da Aids , o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da REBRIP (Rede Brasileira pela Integração dos Povos), coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – ABIA, afirmou que “causa-nos surpresa e indignação o fato de que novamente tomemos conhecimento pela imprensa de que um novo acordo com o Abbott está prestes a ser assinado pelo novo ministro da saúde, Sr. Saraiva Felipe, que como seu antecessor, realizou a negociação às escondidas e sob termos que a sociedade civil e até o próprio governo desconhece. O caráter de pessoalidade que marca as negociações configura o descaso com a vida de milhares de brasileiros que dependem do sucesso e da manutenção do Programa Nacional de Aids. A ausência de publicidade dos atos públicos, sobretudo de atos que envolvem ‘a soberania nacional’, como o próprio ministro afirmou, caracteriza uma postura inaceitável, autoritária e inconstitucional”.
O integrante do Grupo de Incentivo à Vida e membro do Comitê Nacional de Vacinas Jorge Beloqui declarou que o preço estabelecido para a compra do kaletra é um paliativo que serviria para, no máximo, um ano. “O acordo tem vários problemas. Por que fechar um acordo por seis anos com o mesmo preço, que termina às vésperas do fim da validade da patente do medicamento? Além disso, os preços na África são menores e nesse período podem surgir remédios similares concorrentes a um preço inferior. Ninguém sabe qual será a vida útil do kaletra”, questionou Beloqui.
Outros problemas citados pelo ativista são o fato do acordo não contemplar a transferência de tecnologia, um requerimento previsto pelo acordo TRIPS, e também a atitude do ministro de ignorar a recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para que o governo emitisse a licença compulsória do kaletra, do efavirenz e do tenofovir.
Jorge Beloqui disse estar decepcionado com o resultado da negociação, pois acreditou que quando o ex-ministro Humberto Costa declarou o kaletra como um medicamento de interesse público, na presença do presidente Lula, “isto conferiria uma outra seriedade ao assunto. Ao não submeter o acordo à avaliação do CNS, o ministro desrespeitou o Conselho. Agora os membros do Conselho vão discutir em cima de um fato consumado?”, questionou.