quarta-feira, abril 05, 2006

A culpa é da morta

Comunicado de Imprensa Panteras Rosa
05-04-2006

Após aturado inquérito, a diocese do Porto concluiu que as Oficinas de S. José não terão qualquer responsabilidade no espancamento e assassinato de Gisberta. Para estes responsáveis eclesiásticos o facto da instituição que dirigem não possuir meios adequados para receber menores "com comportamentos delinquentes", justifica a ausência da sua responsabilidade particular no crime do Porto.

O inquérito conduzido pelo Conselho de Administração das Oficinas de S. José foi benevolente com…. as Oficinas de S. José. A diocese da Igreja Católica do Porto, entidade responsável pela guarda de tantas crianças em risco no país, vem esclarecer publicamente que afinal não tem qualquer responsabilidade quando alguma coisa corre mal. Não tem condições para as ter, mas tem estas crianças em situação difícil, a seu cargo. Não lhes pode prestar os cuidados e o acompanhamento devido, mas é à sua guarda que elas se transformam em tudo aquilo que serão no futuro.

O assassinato da Gisberta vem revelar em primeiro lugar a imensa debilidade e hipocrisia da política do Estado para com as crianças e jovens institucionalizados. A falta de meios, de condições pedagógicas e do mínimo investimento para ultrapassar esta situação tornou-se um dos problemas mais gritantes do país. Mas é preciso dizer que a Igreja é o principal cúmplice do Estado, parceira nesta irresponsabilidade criminosa, companheira de percurso e principal beneficiária dos poucos recursos atribuídos. Não podemos por isso aceitar que diocese do Porto venha dizer que não tem qualquer responsabilidade neste caso. Se reconhece que não tem condições para acompanhar os jovens das Oficinas de S. José, então feche a instituição. E quantas mais instituições sem condições mínimas estão a funcionar como "depósito" de crianças em risco?

Na Avenida Gonçalo Cristóvão, no Porto, as companheiras de Gisberta estão a ser alvo de um aumento das provocações transfóbicas e de situações de ameaça e agressão. Quantas Gisbertas terão que ser assassinadas para que a Igreja e os responsáveis governamentais entendam que a única garantia de integração social é aquela que gasta tempo, dinheiro e esforço com os jovens em risco e simultaneamente combate as discriminações?

Vivemos numa sociedade em que há crianças que são espancadas pela própria família, abandonadas pelos seus, objectos de comércio sexual, traficadas e escravizadas, abandonadas por todos e sem esperança de um dia poderem crescer sem medo. Para muitas a violência é a única linguagem que conhecem, o desprezo pela vida e dignidades humanas os valores que reproduzem e o ódio a pessoas como a Gisberta até os aproxima das atitudes da maioria, nomeadamente do discurso reproduzido pela Igreja Católica a propósito da diversidade sexual.

Suprema ironia, terá este crime hediondo sido para os seus jovens autores, uma forma de integração e normalização social?

*Não esquecemos, não podemos esquecer a tentativa de insinuação pública do responsável pelas Oficinas de S. José, Padre Lino Maia de que Gisberta perseguiria uma das crianças e o crime constituiria uma auto-defesa.

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