segunda-feira, junho 13, 2005
Por que não há mulheres nos ensaios clínicos?
EATN
EUROPEAN AIDS TREATMENT NEWS
Volume 14, 1 • Primavera 2005 • Edição Portuguesa
Por que razão as mulheres não estão representadas em número suficiente nos ensaios clínicos? O objectivo é proteger-nos ou excluir-nos? A presença de mulheres em estudos de novos medicamentos tem sido sempre motivo de controvérsia, dado que nos encontramos no centro do conflito entre os nossos direitos e os dos “possíveis futuros bebés”, um conflito que raras vezes tem sido visto como passível de ser resolvido exclusivamente pelas mulheres.
Embora diferentes métodos de avaliação tenham chegado a conclusões diferentes (e mesmo contraditórias) sobre a participação das mulheres nos ensaios, é necessário olhar para trás na história, para perceber a atenção hoje dada a este assunto.
No início do séc. XX, em resposta aos problemas surgidos com o desenvolvimento, produção e comercialização de produtos médicos, estabeleceu-se uma estrutura para a condução de ensaios clínicos e a primeira lei sobre Regulação de Alimentos e Medicamentos foi aprovada. Depois da morte de mais de 100 pessoas relacionada com a administração de uma formulação de sulfanilamida contendo um solvente tóxico, e de forma a garantir a protecção contra a toxicidade e o uso dos excipientes adequados, o alcance da lei foi alargado.
Neste primeiro conjunto de leis ficou então estabelecida a necessidade da realização de ensaios clínicos como forma de assegurar a segurança e eficácia dos fármacos, condição necessária para a sua aprovação.
Estas leis definem também as diferentes fases do processo: fase Pré-Clínica (laboratório), Fase I (segurança e dose), Fase II (segurança e proof of concept), Fase III (eficácia e segurança em estudos controlados e randomisados) e Fase IV (segurança pós-aprovação e monitorização da eficácia na vida real).
Em 1977, a FDA recomendou que as mulheres pré-menopáusicas (que ainda possam, portanto, engravidar) fossem excluídas das primeiras fases dos ensaios. Isto incluia todas as mulheres, mesmo as que usem preservativo, aquelas cujo parceiro fez uma vasectomia, as que não têm relações sexuais com homens, etc.
Embora aquela recomendação dissesse apenas respeito às primeiras fases dos ensaios, ela teve na realidade um impacto na participação das mulheres em todas as fases das investigações.
De acordo com a FDA e várias publicações da especialidade, os principais obstáculos à participação das mulheres prendem-se com as suas variações fisiológicas e a possibilidade de engravidarem. Estes dois factores têm sido usados para justificar a exclusão da mulher, com a desculpa de que essa exclusão a iria proteger de possíveis efeitos adversos. Na realidade, vemos que isto acabou por conduzir a uma violação dos direitos das mulheres: em primeiro lugar, por colocar os objectivos económicos à frente do direito à saúde, e em segundo, por infantilizar as mulheres e retirar-lhes o direito a decidir, assumindo que elas não são responsáveis e não são de confiar quando está em causa a sua fertilidade.
Embora em teoria as mulheres menopáusicas pudessem participar nos estudos de fase III (uma vez que já não são férteis), é preciso não esquecer que é nas fases anteriores que as indicações e as doses dos fármacos são estabelecidas. Assim, a sua exclusão das fases iniciais deixa-nos sem informação específica sobre as mulheres, o que apenas poderá suceder, se suceder, bastante mais tarde no desenrolar do processo. Além disso, é sabido que muitos produtos são excluídos logo nas fases iniciais; ao excluir as mulheres dessas fases, ficamos sem saber se poderia haver produtos que fossem benéficos exclusivamente para elas.
É, por isso, importante promover estudos exaustivos sobre as diferenças entre os dois sexos, desde as investigações celulares às clínicas, com o objectivo de aumentar o conhecimento específico sobre a saúde da mulher.
A FDA publicou um Guia sobre o Género que, através de recomendações como as que se seguem, tenta acabar com as restrições à entrada de mulheres pré-menopáusicas nas fases iniciais dos ensaios:
- Integrar questões específicas dos géneros em todas as fases do desenvolvimento de um fármaco.
- Estudar os possíveis diferentes efeitos dos fármacos nos dois sexos, através dos estudos de farmacodinâmica, farmacocinética, metabolização e avaliação das indicações.
- Estabelecimento de sistemas de monitorização pós-aprovação, mesmo que este procedimento se acabe por centrar mais nos efeitos adversos mais frequentes.
- Encontrar um equilíbrio entre a preocupação por uma possível gravidez com o respeito pela mulher e a sua capacidade para tomar as suas próprias decisões.
- Para finalizar, referir que não chega aumentar o número de mulheres nos estudos. È necessário também proceder a uma avaliação em ambos os sexos, de forma a garantir que as diferenças nas taxas de resposta, efeitos secundários ou nas interacções medicamentosas possam ser adequadamente identificadas e avaliadas.
Maria José Vázquez
Fonte:
http://www.medscape.com/viewarticle/4089563
EUROPEAN AIDS TREATMENT NEWS
Volume 14, 1 • Primavera 2005 • Edição Portuguesa
Por que razão as mulheres não estão representadas em número suficiente nos ensaios clínicos? O objectivo é proteger-nos ou excluir-nos? A presença de mulheres em estudos de novos medicamentos tem sido sempre motivo de controvérsia, dado que nos encontramos no centro do conflito entre os nossos direitos e os dos “possíveis futuros bebés”, um conflito que raras vezes tem sido visto como passível de ser resolvido exclusivamente pelas mulheres.
Embora diferentes métodos de avaliação tenham chegado a conclusões diferentes (e mesmo contraditórias) sobre a participação das mulheres nos ensaios, é necessário olhar para trás na história, para perceber a atenção hoje dada a este assunto.
No início do séc. XX, em resposta aos problemas surgidos com o desenvolvimento, produção e comercialização de produtos médicos, estabeleceu-se uma estrutura para a condução de ensaios clínicos e a primeira lei sobre Regulação de Alimentos e Medicamentos foi aprovada. Depois da morte de mais de 100 pessoas relacionada com a administração de uma formulação de sulfanilamida contendo um solvente tóxico, e de forma a garantir a protecção contra a toxicidade e o uso dos excipientes adequados, o alcance da lei foi alargado.
Neste primeiro conjunto de leis ficou então estabelecida a necessidade da realização de ensaios clínicos como forma de assegurar a segurança e eficácia dos fármacos, condição necessária para a sua aprovação.
Estas leis definem também as diferentes fases do processo: fase Pré-Clínica (laboratório), Fase I (segurança e dose), Fase II (segurança e proof of concept), Fase III (eficácia e segurança em estudos controlados e randomisados) e Fase IV (segurança pós-aprovação e monitorização da eficácia na vida real).
Em 1977, a FDA recomendou que as mulheres pré-menopáusicas (que ainda possam, portanto, engravidar) fossem excluídas das primeiras fases dos ensaios. Isto incluia todas as mulheres, mesmo as que usem preservativo, aquelas cujo parceiro fez uma vasectomia, as que não têm relações sexuais com homens, etc.
Embora aquela recomendação dissesse apenas respeito às primeiras fases dos ensaios, ela teve na realidade um impacto na participação das mulheres em todas as fases das investigações.
De acordo com a FDA e várias publicações da especialidade, os principais obstáculos à participação das mulheres prendem-se com as suas variações fisiológicas e a possibilidade de engravidarem. Estes dois factores têm sido usados para justificar a exclusão da mulher, com a desculpa de que essa exclusão a iria proteger de possíveis efeitos adversos. Na realidade, vemos que isto acabou por conduzir a uma violação dos direitos das mulheres: em primeiro lugar, por colocar os objectivos económicos à frente do direito à saúde, e em segundo, por infantilizar as mulheres e retirar-lhes o direito a decidir, assumindo que elas não são responsáveis e não são de confiar quando está em causa a sua fertilidade.
Embora em teoria as mulheres menopáusicas pudessem participar nos estudos de fase III (uma vez que já não são férteis), é preciso não esquecer que é nas fases anteriores que as indicações e as doses dos fármacos são estabelecidas. Assim, a sua exclusão das fases iniciais deixa-nos sem informação específica sobre as mulheres, o que apenas poderá suceder, se suceder, bastante mais tarde no desenrolar do processo. Além disso, é sabido que muitos produtos são excluídos logo nas fases iniciais; ao excluir as mulheres dessas fases, ficamos sem saber se poderia haver produtos que fossem benéficos exclusivamente para elas.
É, por isso, importante promover estudos exaustivos sobre as diferenças entre os dois sexos, desde as investigações celulares às clínicas, com o objectivo de aumentar o conhecimento específico sobre a saúde da mulher.
A FDA publicou um Guia sobre o Género que, através de recomendações como as que se seguem, tenta acabar com as restrições à entrada de mulheres pré-menopáusicas nas fases iniciais dos ensaios:
- Integrar questões específicas dos géneros em todas as fases do desenvolvimento de um fármaco.
- Estudar os possíveis diferentes efeitos dos fármacos nos dois sexos, através dos estudos de farmacodinâmica, farmacocinética, metabolização e avaliação das indicações.
- Estabelecimento de sistemas de monitorização pós-aprovação, mesmo que este procedimento se acabe por centrar mais nos efeitos adversos mais frequentes.
- Encontrar um equilíbrio entre a preocupação por uma possível gravidez com o respeito pela mulher e a sua capacidade para tomar as suas próprias decisões.
- Para finalizar, referir que não chega aumentar o número de mulheres nos estudos. È necessário também proceder a uma avaliação em ambos os sexos, de forma a garantir que as diferenças nas taxas de resposta, efeitos secundários ou nas interacções medicamentosas possam ser adequadamente identificadas e avaliadas.
Maria José Vázquez
Fonte:
http://www.medscape.com/viewarticle/4089563