quinta-feira, abril 19, 2007
Mais uma vez os antiretrovirais nas farmácias privadas - parte II
publicado em: "Acção e Tratamentos" - GAT, nº3, Março-Abril 2007
Parte I aqui
No último número do Acção & Tratamentos revisitámos as declarações do Sr. Ministro da Saúde e relembrámos alguns dos episódios mais recentes desta saga.
Enumerámos, também, alguns dos argumentos defendidos por várias individualidades a favor e contra esta medida. Por último chamámos a atenção para o que nos pareciam ser alguns erros graves na defesa feita pelo Sr. Ministro da dispensa e toma fraccionadas e assistidas.
Embora fosse interessante ainda analisar outras opiniões porque se achava que a anunciada medida se deveria ou não aplicar – que se faz lá fora, em países que souberam adaptar-se às mudanças da epidemia; que os hospitais públicos (alguns) fazem o acompanhamento – por telefone – da adesão; que o modelo da toma assistida de Metadona nas farmácias privadas é um sucesso – em relação às quais muito haveria a dizer pela pouca consistência com a realidade conhecida, terminamos hoje este artigo com algumas considerações que, não tendo sido aduzidas ao longo de todo a discussão nos parecem, no entanto, não podermos deixar de ter em consideração.
Relembremos, em primeiro lugar, que o próprio Estatuto do Medicamento recentemente aprovado dispõe que devem ser as circunstâncias necessárias para uma correcta utilização dos medicamentos e não outros factores, os principais determinantes do local onde os medicamentos devem ser dispensados.
Entre os múltiplos critérios que devem ser considerados relevantes para orientar a decisão quanto aos modelos de dispensa de medicamentos, identificam-se:
a) benefícios objectivos para o doente;
b) a necessidade de esquemas de acompanhamento por médico especialista;
c) mecanismos de monitorização e acompanhamento dos efeitos terapêuticos (e.g. comissões especializadas);
d) garantir a acessibilidade ao medicamento por aproximação geográfica do local de dispensa;
e) implicações económicas globais.
Em termos ideais, devemos ter apenas um interlocutor. No mesmo local o médico, o laboratório e a farmácia. Quanto maior dispersão pior, quer em termos clínicos, de vigilância e acompanhamento laboratorial, quer em termos pessoais.
É nosso parecer que não devem ser alterados quaisquer dos parâmetros da
Qualquer alteração avulso, mesmo em regime experimental, sem que tal avaliação tenha tido lugar, só virá aumentar o grau de ineficácia do sistema sem que estejam estudadas soluções integradas para as limitações actuais.
Em segundo lugar, muitas das iniciativas que se percebem das declarações do Sr. Ministro podem levar a sérias quebras de privacidade e da confidencialidade dos dados de saúde das pessoas com VIH ou SIDA. O respeito pela pessoa, pela sua privacidade e a confidencialidade dos dados pessoais sensíveis – para além de reconhecido constitucionalmente e nas declarações universais e europeia dos direitos das pessoas – é factor essencial na luta contra a discriminação e no sucesso da própria terapêutica, já para não falar na eficácia da prevenção.
Sobre este assunto remetemos o leitor para o editorial deste número.
De acordo com o relatório, de Dezembro de 2005, da Direcção de Economia do Medicamento e Produtos de Saúde do Observatório do Medicamento e Produtos de Saúde do Infarmed sobre a Despesa Hospitalar com Medicamentos Abrangidos pelos Regimes Especiais de Comparticipação, numa amostra de 28 dos, então, 91 Hospitais da rede do SNS hospitais que representavam perto de 73% da despesa total com medicamentos nos Hospitais do SNS, o custo de mediamentos antiretrovirais representou 73.466.178 euros no ano 2004 e 44.649.630 só no 1º semestre de 2005.
Estima-se que, em 2006, este valor se tenha situado entre os 100 e os 120 milhões de euros. E a tendência é sempre crescente quer pelo aumento de pessoas em tratamento – consequência da ineficácia da prevenção e do aumento de detecção de casos de infecção – quer pelo aumento dos preços dos medicamentos, nomeadamente dos chamados “novos” medicamentos, resultado da estrutura oligopolística do mercado, a legislação e os acordos internacionais sobre propriedade intelectual, a falta de iniciativa governamental sobre o Doha Round e, também, a falta de fiscalização e o deficiente controle dos preços praticados no nosso País.
Qualquer parcela, mesmo “simbólica” deste mercado representa um volume de negócio significativo. Não achamos que, como informa o Sr. Ministro, esta medida vá “prejudicar financeiramente as farmácias”.
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