quinta-feira, setembro 14, 2006

Misericórdia de Cascais discrimina crianças infectadas

DN 13.09.06

O regulamento das creches, jardins de infância, escolas primárias e ATL da Santa Casa da Misericórdia de Cascais exclui crianças portadoras de doenças contagiosas. Uma regra que viola o princípio da igualdade e não discriminação consagrado pela Constituição da República. E ainda uma lei em vigor desde 28 de Agosto que "pune os actos discriminatórios praticados em razão da deficiência e da existência de risco agravado para a saúde".

A admissão de crianças nestes estabelecimentos privados de ensino está, de acordo com o regulamento, vedada a crianças que sofrem de infecções como, por exemplo, HIV, hepatite B ou C (o regulamento é omisso em relação ao nome das doenças). Para serem admitidas, têm de apresentar uma declaração médica, com data inferior a oito dias do início da frequência, que ateste não sofrerem de nenhuma doença contagiosa. Contactada pelo DN, a directora da Misericórdia de Cascais reconheceu que o regulamento é desadequado e não tem aplicação prática. E admitiu ontem rever a sua fundamentação. No entanto, Isabel Miguéis garantiu que, até agora, nenhuma criança viu o seu acesso vedado em nenhuma escola da Misericórdia por ter uma doença contagiosa. "Basta que o médico diga que a criança pode frequentar a escola. Aliás, já tivemos casos de crianças com HIV e hepatite B que entraram e saíram da escola, sem nunca se saber."

Por isso, garante Isabel Miguéis, todos os procedimentos de segurança são aplicados. "Temos o máximo de cuidados, como se todas as crianças tivessem algo. Até porque pode haver crianças infectadas que não o saibam ou outras que o saibam mas cujos pais não informem a escola."

Mas, apesar de não se aplicar a regra, o que está em causa é o princípio enunciado que, por si só, pode ser dissuasor de candidatura à escola. Para o bastonário da Ordem dos Médicos, esta regra é discriminatória, inconstitucional e disparatada. Mas "não é surpreendente", diz Pedro Nunes, que acredita que haja mais escolas com práticas discriminatórias.

O Ministério da Educação esclarece que nos estabelecimentos de ensino público ou com contratos com o Estado, actos deste tipo não teriam validade legal e seriam alvo de processos disciplinares. No entanto, disse ao DN Ramos André, adjunto da ministra da Educação, os estabelecimentos privados podem seleccionar as admissões. "Mesmo assim, se casos como este (privados) fossem confirmados pelos serviços públicos, tal seria eticamente lamentável e profundamente reprovável."

As regras da Misericórdia de Cascais ditam ainda que, caso a criança esteja ausente da escola por mais de três dias devido a doença, o encarregado de educação informe a escola da natureza da doença contraída pelo aluno. Algo também considerado incorrecto por Ferro Menezes, pediatra do Hospital Santa Maria e médico de saúde escolar, que afirmou ao DN que a informação sobre doenças contagiosas em fase aguda - ou seja, fase activa - apenas tem de ser transmitida pelo médico à autoridade de saúde concelhia. "Todos os problemas de doença contagiosa na escola são competência do delegado de saúde." Depois, cabe a esta autoridade, se assim o entender, tomar as devidas medidas de segurança.

Aliás, o decreto regulamentar n.º 3/95 enuncia as doenças que obrigam ao afastamento das crianças e docentes da escola e dita até as condições em que estas podem regressar. Doenças como a difteria, escarlatina, infecções meningocócicas, rubéola, varicela, tosse convulsa, hepatite A ou B. No entanto, tais regras aplicam-se apenas a situações agudas, quando a doença está activa.

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