quarta-feira, março 08, 2006

Medicamentos para SIDA e malária vendidos ilicitamente nos mercados de Moçambique

Não se percebe quais os anti-retrovirais supostamente em causa.

Lusa 25.02.06

Ao lado de produtos tradicionais africanos para curar males de amor ou dores de cabeça, os mercados do Chiquelene e de Xipamanine, em Maputo, vendem ilicitamente anti-retrovirais, para o HIV/SIDA, e artemisinina, usada no tratamento da malária.

O negócio assenta em medicamentos desviados do circuito oficial para aqueles mercados paralelos, envolvendo importadores e trabalhadores das farmácias de Maputo, e é assegurado por jovens que actuam com uma discrição idêntica à da venda de drogas.

"Tenho comprimidos para várias doenças e, se quiseres anti-retrovirais, posso mandar vir", garantiu na semana passada, à Agência Lusa, um vendedor no Chiquelene, afirmando que um primo vende o medicamento que retarda os efeitos do HIV/SIDA no mercado de Xipamanine.
Sem uma banca fixa, os vendedores transportam o produto nos bolsos, na expectativa de um breve contacto, quase em surdina, com os potenciais clientes.

Depois de estabelecido o contacto, a venda dos anti-retrovirais exige que o cliente forneça o seu contacto de telemóvel - o contrário não é válido - e aguarde o telefonema do vendedor, a partir de uma cabina pública.

Embora a polícia tente diariamente impedir a venda de medicamentos nos dois mercados mais famosos de Maputo, o negócio não deixa de florescer. Além de tetraciclina, um antibiótico, e a artemisinina, para o tratamento da malária, o mesmo vendedor garantiu à Lusa que também dispõe de canamicina, medicamento utilizado em algumas Doenças de Transmissão Sexual (DTS).

O à vontade com que negoceia os medicamentos denota o desconhecimento de que a tetraciclina consta da lista de medicamentos banidos pela Organização Mundial de Saúde OMS.
No mercado informal, os preços dos fármacos variam consoante o vendedor: enquanto a artemisinina custa no máximo 1,78 euros, cada comprimido, a canamicina está avaliada em 10 euros o frasco de 20 comprimidos, sendo os anti-retrovirais os mais caros.

As embalagens de 60 comprimidos anti-retrovirais rondam entre os 250 e 350 euros, contra os quase 400 euros que custam nas farmácias, numa linha de tratamento de um ano.
"Só vendo estes medicamentos, se o interessado me apresentar receita médica, que é para não dar uma dosagem maior ou menor ao doente", disse outro negociante do mercado negro contactado pela Lusa.

"Mas vendo a um preço acessível", assegurou, garantindo que não pode "dar comprimidos sem saber qual o estado do doente, porque isso pode piorar a sua situação". As receitas médicas exigidas pelos vendedores servem para ajudar o fornecedor, trabalhador de uma farmácia que nunca dá a cara, "a arranjar a dose necessária para o doente" naquele momento, mas o processo é contínuo até um ano, afiança.

Em Maputo, apenas quatro retalhistas estão licenciados para vender anti-retrovirais e os preços aplicados variam em função do tipo de genéricos prescritos pelo médico e a origem dos mesmos, sendo os importados da Índia os mais baratos.

O responsável da Comunidade de Santo Egídio em Moçambique, Stefano Capparucci, acredita que a venda de anti-retrovirais nos mercados paralelos se deve ao reduzido número de instituições que distribuem gratuitamente aqueles medicamentos, face à procura dos moçambicanos que padecem da doença.

Apenas 17 mil pessoas de um total de 1,4 milhões de doentes de SIDA têm acesso aos anti-retrovirais no país, dos quais cinco mil são cobertos pelo programa "Dream" da Comunidade de Santo Egídio. "Temos diversos centros que fazem terapia anti-retroviral em Moçambique, mas não são suficientes para o número de doentes que necessitam destes medicamentos, e isso dificulta o acesso a todos", disse à Lusa Capparucci.

O Ministério da Saúde de Moçambique abriu, recentemente, uma linha de distribuição gratuita de anti-retrovirais, mas o número de beneficiários é limitado, especialmente crianças incluídas num projecto de apoio pediátrico financiado pela Fundação Bill Clinton, ex-presidente norte-americano.

No ano passado, a Medimoc, a principal importadora de medicamentos em Moçambique, expulsou quatro trabalhadores indiciados na venda de medicamentos, exceptuando anti-retrovirais, confirmou à Lusa o presidente da empresa, Renato Ronda.

Ronda considerou, no entanto, "pura especulação" a venda destas drogas nos mercados paralelos, "porque o circuito de fornecimento é muito apertado". No entanto, admitiu a existência de uma rede de "indivíduos mal intencionados que se aproveitam da fraqueza das autoridades para retirar outro tipo de medicamentos para os mercados paralelos de Moçambique".

"São indivíduos que estão nos importadores, no próprio Serviço Nacional de Saúde e noutras instituições, que, porventura, devido às fraquezas do controlo, retiram os medicamentos para os mercados paralelos", acusa. Para travar o roubo de medicamentos nos armazéns da empresa, a Medimoc contratou recentemente uma empresa de segurança privada.

O porta-voz do Ministério da Saúde de Moçambique, Martinho Djedje, reconheceu à Lusa o roubo de medicamentos na sua instituição, mas assegurou que as autoridades "estão a afinar os mecanismos de controlo da distribuição às unidades sanitárias".

"Há roubo de medicamentos dentro do Ministério, às vezes por estranhos que assaltam os nossos armazéns", mas "tenho dúvidas que se vendam anti-retrovirais, devido ao sistema de controlo, que é mais eficiente", concluiu o porta-voz.

Os mercados de Chiquelene e Xipamanine, os mais importantes dos subúrbios de Maputo, possuem bancas que vendem legalmente raízes africanas contra doenças transmitidas sexualmente, dores de cabeça, reumatismo e malária, a principal causa de morte em Moçambique.

Além destes produtos, pode-se comprar aspirina em pó e Grandpan, medicamentos convencionais para enxaquecas, pendurados em cordas de linho numa fileira de bancas que se confundem com casernas num matagal.

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