domingo, fevereiro 13, 2005

Manifesto da SOMA e da Abraço sobre as Estratégias de luta contra a droga para 2005-2012

Quem quiser subscrever envia os dados para soma.apa@netcabo.pt.

MANIFESTO da SOMA e da ABRAÇO SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE LUTA CONTRA A DROGA PARA 2005-2012

No quadro europeu, este é o tempo em que os poderes públicos devem adoptar Estratégias de luta contra as drogas e os Planos de Acção para o período 2005-2012, e há indícios de que o farão assumindo que todas as avaliações independentes até agora realizadas concluíram que não se atingiram resultados satisfatórios em nenhum dos principais objectivos estabelecidos na Estratégia Europeia para 2000-2004.

Mesmo a relevante mudança de atitude nalguns países no que respeita aos consumidores de substâncias estupefacientes ilegais - e é o caso português - não pode fazer esquecer que o narcotráfico se tornou na principal fonte de lucro do crime organizado, e por essa via engendrou novos poderes ocultos que de diversas formas (corrupção, impunidade, distorção da economia, alimentação do terrorismo internacional, etc.) têm vindo a minar os alicerces do Estado de Direito e da Democracia, ou seja, configuram uma verdadeira ameaça civilizacional;

No que refere especificamente à situação portuguesa, acresce que a prevalência e a incidência do consumo problemático de drogas ilegais e de doenças infecciosas relacionadas (VIH/SIDA, hepatites víricas e tuberculose) continuam a atingir níveis inaceitáveis, dos mais altos da União Europeia, e que essa situação, a não ser oficialmente reconhecida pela Administração e a persistir, continuará a afectar gravemente a saúde pública e a individual, a sustentabilidade do serviço nacional de saúde, e os direitos humanos, com as inevitáveis consequências em matéria de discriminação, exclusão social, e insegurança induzida pela criminalidade:

A Recomendação do Parlamento Europeu ao Conselho e à Comissão sobre a Estratégia Europeia em matéria de luta contra a droga (2005-2012), aprovada em plenário no dia 15 de Dezembro de 2004 (por larga maioria entre os eleitos portugueses) é uma Resolução histórica. Tendo em conta os instrumentos internacionais europeus e nacionais relativos à protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e, em especial, à protecção do direito à vida e à saúde, a Resolução propõe uma Estratégia complexa mas coerente, baseada no conhecimento científico, com objectivos e prioridades claros, precisos, quantificáveis e avaliáveis (na qual é reconhecido o valor das políticas de redução de riscos). Esta Recomendação não foi integrada na Estratégia Europeia, aprovada em 17 de Dezembro de 2004, facto não democrático com que os eleitos europeus devem confrontar a Comissão Europeia na aprovação do Plano Europeu de Acção sobre Drogas (2005-2008) a aprovar até Junho de 2005.

Deveria ser gratificante para os poderes públicos portugueses constatar que a Recomendação do Parlamento Europeu está na linha, e vai além, da Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, elaborada em 1999 a partir de uma comissão científica, a qual representou um momento importante na abordagem destes temas em Portugal. Recordemos que muitas vozes se levantaram na altura (e agora recrudescem, sob a capa da luta por um mundo edénico sem drogas), anunciando vários desastres e reclamando um referendo, mas que todas as avaliações externas lhe são, hoje, genericamente favoráveis, apesar de obstáculos organizacionais e da crónica incongruência portuguesa na sua execução e das alterações legais respeitarem apenas à descriminalização do consumo.

Ao invés, verifica-se com apreensão que o senhor Ministro da Saúde chegou a anunciar como boas as Linhas de Acção de uma Nova Estratégia Nacional 2005-2012 que lhe foram propostas pelo IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência, as quais desvalorizam importantes progressos já alcançados e subrepticiamente regressam, em muitos dos conceitos relevantes, a uma visão estritamente proibicionista, contrária, desde logo, à ampliação das políticas de redução dos riscos e de acompanhamento do universo dos consumidores problemáticos. Felizmente que a presente conjuntura fez suspender a aprovação imediata de uma nova Estratégia Nacional para o horizonte 2005-2012.

Chegados a este ponto, entendem os signatários:

- que o Governo e a Assembleia da República que saírem de eleições, bem como o Presidente da República (que sempre se tem interessado por estas questões), devem prolongar o debate prévio à aprovação da nova Estratégia Nacional de Luta contra a Droga 2005-2012, e que esta muito ganharia em integrar as recomendações mais essenciais e inovadoras aprovadas pelo Parlamento Europeu;

- que nesse renovado debate político é essencial manter o espírito de racionalidade e de pragmatismo da Estratégia de 1999, o que pressupõe respostas tão diferenciadas quanto é diversificado o universo dos consumidores problemáticos de drogas ilícitas, com vista ao respectivo acolhimento social e sanitário (tratamento, programas de redução de riscos com diferentes públicos e objectivos), sem exclusão nem estigma;

- que deve salvaguardar-se o princípio de acesso dos reclusos aos mesmos meios de prevenção e de redução de riscos que existem no exterior dos estabelecimentos prisionais, sendo certo que a gravidade do problema nesses meios (denunciada, entre outros, pelos sucessivos Provedores de Justiça) reclama medidas excepcionais e urgentes;

- que em Portugal deve acompanhar-se o debate hoje corrente em muitos países sobre a necessidade de diferente e específica regulamentação da produção, distribuição e consumo das drogas ainda «ilícitas» cujo uso terapêutico começa a ser cientificamente inquestionável;

- que a avaliação a efectuar na data intercalar de revisão de 2008 deve ser precedida de debate público, durante o qual se avaliem as políticas proibicionistas, sua história e o conjunto dos seus efeitos.

11 de Fevereiro de 2005.

Os órgãos sociais da SOMA - Associação Portuguesa Anti-Proibicionista, e da ABRAÇO - Associação de Apoio a Pessoas com HIV/SIDA(*)

(*) Como primeiro subscritor figura António Almeida Santos, que formalmente nunca quis ser membro destas ONGs, mas cujas acções sempre acompanhou, e não poucas vezes protagonizou.

Assinam
António Almeida Santos
Pelas direcções Abraço e Soma
SOMA Conselho Directivo
João de Menezes Ferreira
Luís Andrade
Fernanda Lopes Cardoso
Maria José Campos
Luís Mendão
SOMA Mesa da Assembleia-Geral
Raul Rosado Fernandes
Vera Futscher Pereira
SOMA Conselho Fiscal
José António Pinto Ribeiro
Pedro Arroja
SOMA Conselho Científico
Eurico de Figueiredo
Paulo Mendo
António Cluny
Filomena Silvano
Jorge Negreiros
Jorge Silva Ribeiro
Jorge Torgal Garcia
Nuno Félix de Costa
Luís Fernandes
ABRAÇO Direcção
Miguel Rodrigues Pereira
Conceição Barraca
ABRAÇO Direcção Executiva
Maria José Campos
Nuno Santos
ABRAÇO Mesa da Assembleia-Geral
João Paulo Casquilho

Comments: Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Enter your email address below to subscribe to Blog do GAT!


powered by Bloglet