quarta-feira, fevereiro 09, 2005

EATG preocupado com ensaios clínicos de fase II em pessoas seropositivas naives

O EATG (European Aids Treatment Group – grupo europeu de activistas dos tratamentos do VIH/SIDA) enviou uma carta à CMPH (Committee for Medicinal Products for Human use), uma sub-comissão da EMEA (Agência Europeia de Avaliação do Medicamento), a entidade reguladora europeia, para alertar para os problemas éticos dos ensaios clínicos de fase II com a nova classe de anti-retrovirais, os bloqueadores do CCR5, em pessoas seropositivas que nunca tomaram uma medicação anti-retroviral, as chamadas naives:

Dr. Daniel Brasseur
Chairman of the CHMP, EMEA
7 Westferry Circus
Canary Wharf
London, E14 4HB, UK

cc: Dr. Per Nilsson, EMEA

Bruxelas, 20 de Dezembro de 2004

Exmo Dr. Daniel Brasseur,

Depois de termos levantado preocupações similares na reunião do grupo Ad-hoc sobre Medicamentos Anti-retrovirais, de 8 de Novembro, estamos a escrever agora para chamar a sua atenção para um sério problema ético que a comunidade das pessoas que vivem com VIH/SIDA na Europa identificou nos protocolos de vários ensaios clínicos de fase II com uma nova classe de anti-retrovirais.

Trata-se da classe dos bloqueadores do co-receptor CCR5, co-receptor esse que o VIH utiliza para entrar nos linfócitos CD4. Actualmente, a Schering-Plough, a Pfizer e a GlaxoSmithKline estão a competir no desenvolvimento destes fármacos.

As três companhias farmacêuticas estão a iniciar os ensaios clínicos de fase II em pessoas seropositivas naives e já com experiência de tratamentos de forma a encontrar a dosagem certa. O EATG e várias organizações nacionais de doentes (entre outras, o GAT, o grupo português de activistas sobre tratamentos de VIH/SIDA) foram informados pelas companhias farmacêuticas referidas sobre o projecto destes ensaios clínicos.

Estando cientes da necessidade urgente de oferecer fármacos de novas classes e versões melhoradas das classes existentes às pessoas seropositivas já com experiência de tratamentos, agradecemos o desenvolvimento rápido de novos medicamentos. No entanto, estamos muito preocupados com os ensaios clínicos que as três companhias farmacêuticas elaboraram para as pessoas seropositivas que nunca tomaram medicação anti-retroviral.

As três farmacêuticas tencionam incluir nestes estudos pessoas seropositivas com o sistema imunitário fortemente comprometido (menos de 200 células CD4); não definem, além disso, um limite superior para os valores da carga viral.

Como é do seu conhecimento, os resultados obtidos em vários estudos demonstram que as pessoas seropositivas com estas características precisam de uma terapêutica de combinação anti-retroviral potente e comprovada. Todas as orientações terapêuticas actuais concordam nesta recomendação.

Neste momento, existem poucos dados clínicos (10 dias de monoterapia em algumas dezenas de pacientes) sobre os fármacos bloqueadores do CCR5 em desenvolvimento pelos três laboratórios.

Achamos eticamente inaceitável expor pessoas seropositivas com supressão imunológica grave e com cargas virais altas a uma terapêutica de combinação que contém compostos experimentais cuja potência e dosagem ideal não estão ainda comprovadas. Uma falência terapêutica nesta população de pacientes, seja ela por falta de eficácia ou devida a efeitos adversos, tem um grave impacto no bem-estar físico e psicológico da pessoa seropositiva.

Hoje em dia, existem várias terapêuticas de combinação para as pessoas seropositivas naives com uma supressão imunológica grave e com cargas virais altas (>100.000 cópias) que provaram ser potentes, seguras e fáceis de tomar (até 2 comprimidos por dia). Este facto torna os protocolos dos ensaios clínicos referidos desnecessários.

Entendemos também que os protocolos destes estudos e os respectivos documentos de consentimento informado devem fazer claras referências às recomendações das orientações terapêuticas para o tratamento da infecção pelo VIH, tais como o facto de que o início do tratamento normalmente não é recomendado para pessoas seropositivas com mais de 350 células CD4, e o facto de que existem terapêuticas de combinação potentes, seguras e sem custo para o utente na União Europeia.

Além disso, os protocolos destes ensaios clínicos das três companhias farmacêuticas contêm critérios virológicos de falência que não obedecem, em vários aspectos, aos critérios descritos nas actuais orientações terapêuticas. Não podemos aceitar que o tratamento oferecido aos participantes destes ensaios clínicos possa ser inferior, por causa dos critérios referidos para sair do estudo, ao tratamento recomendado para as pessoas seropositivas naives na prática clínica normal.

Achamos que os três laboratórios farmacêuticos deveriam recrutar primeiro pessoas seropositivas naives que não correm um grande risco de falência terapêutica ou de avanço da doença (>200 CD4 e carga viral abaixo de 100.000 cópias) antes de testarem os novos compostos em pessoas seropositivas naives mais suprimidas imunologicamente, nos estudos de fase III.

A necessidade urgente de um desenvolvimento rápido dos bloqueadores do CCR5 para pessoas seropositivas sem opções terapêuticas, não justifica pôr em risco desnecessariamente a saúde das pessoas seropositivas naives.

Dado o dever da EMEA de assegurar que os ensaios clínicos, conduzidos com o objectivo de se obter a aprovação da comercialização no mercado europeu, são eticamente correctos, fazemos um apelo para que tome uma posição nesta matéria e para que se incluam recomendações específicas na nota de orientação para a investigação de fármacos anti-retrovirais. Estamos ao seu dispor para reunirmos com a CHMP e para expor as nossas preocupações e propostas.

Atenciosamente,

Mauro Guarinieri
Presidente, Conselho de Administração
European AIDS Treatment Group (EATG)

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