quinta-feira, dezembro 29, 2005
Prevenção da infecção pelo VIH para e por seropositivos
Comunicação do Luís Mendão, membro da direcção do GAT, no VI Congresso Virtual da SIDANET:
Prevenção da SIDA – Um desafio que não pode ser perdido
Porto, FDSP, Quinta da Bonjóia, 14 de Dezembro de 2005
Nota Prévia
Esta comunicação não pretende ser ciência acabada nem panaceia. Não tem, nem é essa a missão dos que representam as pessoas que vivem com VIH, a forma de publicação científica sobre prevenção e epidemiologia, esse trabalho deve ser feito pelos especialistas competentes, que temos. Nós devemos contribuir com o nosso conhecimento específico e concreto dos problemas, experiência(s), com questões, sugestões e exigências.
Esta comunicação não representa posições completamente consensuais na comunidade a que pertenço. É um esforço dos que defendem o conhecimento, as decisões baseadas no saber, a avaliação de resultados e que, com outros, pretendem colocar na agenda da discussão nacional questões e propostas que possam contribuir para ultrapassar os vinte desastrosos anos de prevenção oficial sobre a infecção pelo VIH, em Portugal.
Centramo-nos no papel que as pessoas que vivem com VIH podem/devem ter nas políticas oficiais de prevenção, e na proposta de serem também alvos preferenciais das políticas de prevenção. Este papel será tão mais importante, quanto maior for a proporção de pessoas que vivem com VIH com acesso a cuidados de saúde e, logo, que conhecem o seu estatuto serológico para o VIH.
Não referirei também, porque por si só mereceria uma comunicação separada, o papel crucial da prevenção positiva feita (ou por fazer) entre pares, de iniciativa comunitária, não governamental, nem o subsídio pelas pessoas que vivem com VIH nos grupos mais atingidos pela pandemia (homens que têm sexo com homens, migrantes, minorias étnicas, trabalhadores do sexo, população prisional, consumidores de drogas, mulheres e jovens).
Esta intervenção assume um parti pris – não há estratégia eficaz de controlo da incidência da infecção VIH que não assente, simultaneamente, em prevenção, acesso universal aos tratamentos e cuidados de saúde de qualidade e programas de adesão adequados.
Introdução
Princípios gerais da Prevenção
Os programas públicos de prevenção da transmissão do VIH têm que ser baseados no conhecimento científico (conclusões de investigações replicáveis, revistas entre os pares, publicadas). Têm que usar e financiar o conjunto das mensagens de prevenção, técnicas e intervenções que demonstraram ser eficazes na redução das taxas de transmissão do VIH e/ou nos comportamentos de risco. O financiamento deve ainda ser assegurado para propostas inovadoras, baseadas em racionais claros e que possam ser avaliadas. A prevenção geral, dirigida a toda a população, também deve obedecer a estes princípios e tem que assegurar o acesso fácil aos meios de prevenção.
A consultar:
Os princípios da prevenção do VIH são 10, como os mandamentos:
www.astho.org/policy_statements/
http://www.cdc.gov/nchstp/od/hiv_plan/
Pequena recapitulação da prevenção dirigida
As intervenções de prevenção primária dirigidas a populações específicas vulneráveis são fundamentais para reduzir as taxas de transmissão do VIH. Têm que ser culturalmente adequadas e responder às necessidades específicas das populações a que se dirigem.
Precisam de informação completa sobre a sexualidade humana (podendo incluir linguagem e imagens explícitas), de informação rigorosa sobre o uso de drogas injectáveis, como evitar contrair o vírus, disponibilizar os meios adequados (preservativos, gel, kit de injecção completo e adaptado e informação sobre o uso). Para estas populações, não podemos misturar campanhas de dissuasão sobre práticas sexuais ou de uso de drogas, com as mensagens de prevenção de transmissão do VIH. A mensagem tem que ser clara, não moralista e passar a informação sobre como não contrair a infecção. A informação sobre as práticas de maior risco versus as de menor risco podem e devem ser descritas; mas não levar as pessoas objecto da prevenção a assumir que um risco menor é um risco nulo.
Estas campanhas, programas e intervenções não podem contribuir para o aumento da discriminação, estigmatização e marginalização dos grupos a que se dirigem; têm que ter exactamente o efeito contrário.
As pessoas que vivem com VIH como parte da solução
Desde o início da pandemia que os grupos mais atingidos e as pessoas infectadas se mobilizaram para fazer face à epidemia (sobretudos os homossexuais, nos EUA, Reino Unido, França, etc.). Este movimento teve um papel fundamental em pôr a epidemia na agenda pública e política, em exigir respostas, defender a saúde e os direitos das pessoas, mas também em apoiar as necessidades concretas de prevenção destes grupos. Os utilizadores de drogas injectáveis e as minorias étnicas tiveram mais dificuldade em se organizar, por razões que dispenso referir, embora muitas e importantes organizações tenham também aparecido.
O princípio GIPA
A importância deste envolvimento levou os países reunidos na Cimeira SIDA de Paris a aprovar o Princípio GIPA (Greater Involvement of People living with HIV/AIDS, maior envolvimento das pessoas com VIH), já de 1994, adoptado oficialmente por Portugal, que declara que as pessoas com VIH são essenciais na educação e cuidados e no delinear e implementar das políticas e programas capazes de responder, com sucesso, à epidemia.
A Declaração defende que a inclusão sistemática das pessoas que vivem com VIH protege os direitos humanos, diminui o preconceito, estigma e discriminação e melhora a saúde pública.
Consulta:
APN+ Position Paper GIPA Janeiro de 2004
Pontos essenciais na prevenção positiva
O princípio GIPA (nunca verdadeiramente implementado em Portugal) abre as portas para a necessidade de prevenção positiva.
Durante demasiado tempo houve muito pouca atenção, quer ao papel, quer às necessidades de prevenção das pessoas com VIH. A prevenção era feita para que as pessoas não infectadas o permanecessem e muitos pensavam (pensam) que as pessoas seropositivas não devem ter relações sexuais.
Ora a prevenção tem que ser para todos. As mudanças comportamentais são tão difíceis para os positivos, como para os negativos, como para os que não conhecem o seu estatuto serológico. Programas eficazes têm que aceitar o direito das pessoas com VIH à intimidade e à vida sexual. A criminalização não é a solução, muito menos a primeira.
A mensagem principal tem que continuar a ser, lembramos, quando se protege eficazmente nas práticas, protege-se o próprio e os outros, independentemente do estatuto serológico, conhecido ou não.
A prevenção positiva trabalha no contexto do direito das pessoas com VIH à saúde sexual, entendida para além da prevenção das ISTs, incluindo o direito à saúde reprodutiva e a uma vida sexual activa sem exploração, opressão e abusos.
Objecto
Focamo-nos só nas pessoas diagnosticadas com VIH e na transmissão sexual e parentérica. A prevenção da transmissão vertical é essencial, mas fica fora do âmbito desta discussão (apenas uma consideração: hoje não é aceitável não tratar as mães seropositivas, em nenhuma parte do mundo).
Princípio
Todos os actores no tratamento, nos cuidados e no apoio de pessoas com VIH devem ter conhecimentos apropriados sobre comportamentos sexuais e sobre consumo de drogas. Tal deve aplicar-se também a todos os que trabalham em serviços mais genéricos que contactam regularmente com as populações onde existem altas prevalências de infecção.
Nota: Em Portugal, nas consultas de infecciologia, nos hospitais de dia, nos CATs, nas carrinhas (tão poucas) de programas de baixo limiar, etc. onde estão os preservativos? Existe apoio sistemático e de qualidade à informação sobre práticas seguras? Pessoas seropositivas têm formação e são reconhecidas profissionalmente para fazerem aconselhamento e apoio entre pares?
Consulta:
Principles of HIV Prevention with positives
www.napwa.org
A situação portuguesa da epidemia e da prevenção
Epidemia
Depois de longos anos de negação oficial da dimensão da prevalência e incidência da epidemia, reconhece-se agora, pelo menos na generalidade, a gravidade da situação em Portugal.
Temos como dados mais relevantes (e inaceitáveis) a prevalência entre as grávidas da Grande Lisboa, 1,1%, a incidência nacional, aproximadamente 280 por milhão de habitantes/ano e os problemas relacionados com SIDA serem a primeira causa de morte dos homens na faixa etária dos 25-39 anos.
A partir de 1996 com a introdução da ART e o número real de mortes/ano desceu (pouco em Portugal) o número de pessoas que vivem com VIH aumenta continuamente e com uma taxa de incidência como a portuguesa aumenta ainda mais rapidamente. O aumento da prevalência é reconhecidamente um factor-chave para aumentar a incidência. Isto é, uma grande “pool” de infecção potencia a transmissão de VIH.
O aumento da sobrevivência e qualidade de vida das pessoas com VIH aumenta a probabilidade de relações sero-discordantes.
Numa análise muito grosseira e sem nenhum cuidado de rigor (que deveria ser feita), mas que pode permitir estabelecer prioridades e hipóteses de trabalho e lembrando que prevalências superiores a 1% são consideradas epidemia generalizada, calculamos que em Portugal a prevalência:
- Entre os homens que têm sexo com homens é 2-4%
- Entre os UDIs é de 10-16%
- Na população prisional é de 5-10%
- Na população de origem africana, cerca de 10 vezes superior à da população geral.
- Nos profissionais do sexo comercial muito alta, sem dados fiáveis e muito superior entre os travestis, transsexuais e homens (20-60%?).
- Dados fiáveis faltam entre os jovens homossexuais e heterossexuais, e outros grupos vulneráveis, diferentes grupos de migrantes, étnicos, etc.
Os dados da transmissão heterossexual estratificados por transmissão a partir de UDIs, entre grupos de migrantes, étnicos, em relações sexuais comerciais, de homens bissexuais para as mulheres, também não são conhecidos e são essenciais para controlar a progressão da epidemia na população geral.
Nota: sem um bom sistema de vigilância epidemiológica da infecção pelo VIH e o cruzamento com os dados da mortalidade de todas as pessoas infectadas (com garantias de confidencialidade dos dados pessoais), não teremos nem o retrato, nem o filme da epidemia, nem poderemos planear respostas eficazes para garantir o acesso universal aos tratamentos, à prevenção e aos testes e diminuir a incidência da infecção.
Prevenção
As campanhas, políticas e programas públicos de prevenção dos últimos 20 anos, quando existiram, só excepcionalmente foram avaliados independentemente, e nunca envolveram a comunidade no processo. Pensamos (mas também não foi avaliado) que, com excepção de algumas campanhas independentes da comunidade, o seu efeito se aproximou do zero. Os únicos programas com alguma eficácia (troca de seringas e tratamentos de substituição) tiverem origem fora da extinta CNLcSIDA e foram muito diminuídos no seu impacto por não incluírem avaliação contínua e independente (falta de cobertura da distribuição de seringas, racionamento, kit incompleto com efeitos devastadores na incidência da hepatite C, baixa cobertura dos programas de baixo limiar).
Temo que o discurso se fixe, agora, na prevenção de transmissão heterossexual de modo voluntarista, amador e sem impacto real.
Racional, factos e hipóteses para a prevenção positiva
Só há novas infecções por transmissão de VIH em relações pessoais sero-discordantes.
60 a 80% das pessoas que sabem ser seropositivas diminui os comportamentos de risco.
Os seropositivos eficazmente tratados são menos “infecciosos”.
Quanto maior a percentagem de pessoas que conhece estar infectada, maior a possibilidade de controlar a incidência. A despistagem, prevenção e tratamento nos grupos de grande prevalência é uma opção fundamental.
Para controlar o problema da transmissão de vírus resistentes são necessárias: prevenção e promoção da adesão e não dificultar o acesso aos tratamentos dos que são tidos na perspectiva dos médicos como não aderentes. Mesmo que o não fossem, a única opção de saúde pública com sentido é promover as boas práticas para a adesão (que existem).
Nota: que prevenção fazemos para os 12 000 doentes seguidos?
Comportamento sexual e transmissão
Precisamos de investigação séria sobre o comportamento sexual e de consumo de drogas das pessoas com VIH. Nos países que estudaram, a primeira conclusão é a de que entre as pessoas que conhecem o seu estatuto serológico positivo, 60 a 80% mudam para comportamentos mais seguros. Não é suficiente, necessitamos de conhecer cada grupo, e como melhorar os índices de comportamentos seguros, mas parece (há pelo menos alguns dados seguros para alguns grupos específicos) indicar que a transmissão tem uma de taxa incidência muito maior entre os que desconhecem o seu estatuto.
Nota 1: A taxa de transmissão de vírus resistentes, quase 10%, sem nenhuma prevenção estruturada entre os seropositivos, e considerando que a maioria das transmissões de pessoas em tratamento se faz com estirpes de vírus resistentes, indica também que ela acontece principalmente entre quem desconhece o próprio estatuto serológico. Mais, face ao que se conhece actualmente sobre primo-infecção (período de maior infecciosidade) e a não regressão para a estirpe selvagem, das pessoas infectadas com estirpes resistentes, parece – deve ser estudado – que muitas destas novas infecções com vírus resistentes aconteceria com desconhecimento do estatuto serológico por pessoas com comportamentos de risco.
Só por si seria uma indicação para aumentar o acesso efectivo aos testes, aos tratamentos e cuidados de saúde.
Nota 2: É exactamente na fase de seroconversão que a carga viral sobe mais e mais rapidamente e quanto maior a carga viral maior a probabilidade de transmissão. Estudos conclusivos sobre a correlação entre carga viral sanguínea e no esperma são necessários.
Promoção da saúde baseada em evidências e resultados
Recomendações
É necessário um conjunto claro e partilhado de objectivos para acção efectiva sabendo o que se está a tentar fazer, como e porquê.
Os focos devem ser: o ambiente social, a reorientação dos serviços, as comunidades e as redes sociais, sexuais e de consumo de drogas, os indivíduos e os casais. Com objectivos, métodos e referências publicadas (ou a publicar) que apoiam cada programa.
É necessário conhecer o estado do conhecimento sobre a infecciosidade das pessoas tratadas com sucesso, saber a percentagem das pessoas com virémia indetectável entre as que estão em tratamento e aumentar essa percentagem.
Garantir acesso ao tratamento (e à prevenção) para todas as pessoas diagnosticadas que têm indicações para tal.
Melhorar a adesão e reduzir a má prescrição médica.
Tudo isto não precisa de ser traduzido em mensagens públicas falsamente tranquilizadoras, mas deve fazer parte da política de saúde pública. Precisamos pôr em prática os princípios gerais e específicos de boas práticas (que existem) e continuar a investigação quando não são satisfatórios.
Recomendações avulsas e provocatórias (?) para criar condições para fazer eficazmente prevenção para/com as pessoas com VIH
Políticas
Regulamentar legalmente as drogas ilícitas, os migrantes clandestinos e o trabalho sexual.
Redução de riscos no consumo de drogas
Salas de consumo assistido nos lugares onde existe consumo público, com equipas de rua para trazer aos serviços de saúde os cerca de 50 000 consumidores problemáticos de drogas fora de qualquer serviço.
Cobertura das necessidades de programas de substituição de baixo limiar.
Heroína medicalizada para quem não responde aos outros programas.
Programas de prevenção da transmissão sexual para consumidores de drogas recreativas (incluindo os consumidores de álcool).
Disponibilização da substituição opiácea em meio hospitalar, sobretudo para os internamentos a partir das urgências.
Migrantes e minorias étnicas
Promoção da integração rápida e fácil no SNS, apoiada por programas de promoção de saúde de proximidade com equipas com qualificações adequadas nos bairros onde se concentram estas populações.
Nota: Tememos que a presença de carrinhas de testes VIH no meio da comunidade não seja o melhor meio para promover a adesão aos testes, devemos ajustar os programas (todos) aos resultados.
Políticas de saúde
Acesso e divulgação da profilaxia pós-exposição aos casais sero-discordantes, e trabalhadores do sexo.
Melhorar a performance dos CADs.
A jeito de conclusão
O GAT desenvolve actualmente um projecto global de aumento da literacia e preparação das pessoas que vivem com VIH, em tratamentos e cuidados de saúde, que nos parece fundamental, porquanto sabemos que as taxas de crenças e mitos relacionados com os tratamentos e também com os modos de transmissão do VIH são os que são.
Como diz o presidente do GAT, que é um migrante, citando Ghandi, “We must become the change we want to see”.
14 de Dezembro de 2005.
Prevenção da SIDA – Um desafio que não pode ser perdido
Porto, FDSP, Quinta da Bonjóia, 14 de Dezembro de 2005
Nota Prévia
Esta comunicação não pretende ser ciência acabada nem panaceia. Não tem, nem é essa a missão dos que representam as pessoas que vivem com VIH, a forma de publicação científica sobre prevenção e epidemiologia, esse trabalho deve ser feito pelos especialistas competentes, que temos. Nós devemos contribuir com o nosso conhecimento específico e concreto dos problemas, experiência(s), com questões, sugestões e exigências.
Esta comunicação não representa posições completamente consensuais na comunidade a que pertenço. É um esforço dos que defendem o conhecimento, as decisões baseadas no saber, a avaliação de resultados e que, com outros, pretendem colocar na agenda da discussão nacional questões e propostas que possam contribuir para ultrapassar os vinte desastrosos anos de prevenção oficial sobre a infecção pelo VIH, em Portugal.
Centramo-nos no papel que as pessoas que vivem com VIH podem/devem ter nas políticas oficiais de prevenção, e na proposta de serem também alvos preferenciais das políticas de prevenção. Este papel será tão mais importante, quanto maior for a proporção de pessoas que vivem com VIH com acesso a cuidados de saúde e, logo, que conhecem o seu estatuto serológico para o VIH.
Não referirei também, porque por si só mereceria uma comunicação separada, o papel crucial da prevenção positiva feita (ou por fazer) entre pares, de iniciativa comunitária, não governamental, nem o subsídio pelas pessoas que vivem com VIH nos grupos mais atingidos pela pandemia (homens que têm sexo com homens, migrantes, minorias étnicas, trabalhadores do sexo, população prisional, consumidores de drogas, mulheres e jovens).
Esta intervenção assume um parti pris – não há estratégia eficaz de controlo da incidência da infecção VIH que não assente, simultaneamente, em prevenção, acesso universal aos tratamentos e cuidados de saúde de qualidade e programas de adesão adequados.
Introdução
Princípios gerais da Prevenção
Os programas públicos de prevenção da transmissão do VIH têm que ser baseados no conhecimento científico (conclusões de investigações replicáveis, revistas entre os pares, publicadas). Têm que usar e financiar o conjunto das mensagens de prevenção, técnicas e intervenções que demonstraram ser eficazes na redução das taxas de transmissão do VIH e/ou nos comportamentos de risco. O financiamento deve ainda ser assegurado para propostas inovadoras, baseadas em racionais claros e que possam ser avaliadas. A prevenção geral, dirigida a toda a população, também deve obedecer a estes princípios e tem que assegurar o acesso fácil aos meios de prevenção.
A consultar:
Os princípios da prevenção do VIH são 10, como os mandamentos:
www.astho.org/policy_statements/
http://www.cdc.gov/nchstp/od/hiv_plan/
Pequena recapitulação da prevenção dirigida
As intervenções de prevenção primária dirigidas a populações específicas vulneráveis são fundamentais para reduzir as taxas de transmissão do VIH. Têm que ser culturalmente adequadas e responder às necessidades específicas das populações a que se dirigem.
Precisam de informação completa sobre a sexualidade humana (podendo incluir linguagem e imagens explícitas), de informação rigorosa sobre o uso de drogas injectáveis, como evitar contrair o vírus, disponibilizar os meios adequados (preservativos, gel, kit de injecção completo e adaptado e informação sobre o uso). Para estas populações, não podemos misturar campanhas de dissuasão sobre práticas sexuais ou de uso de drogas, com as mensagens de prevenção de transmissão do VIH. A mensagem tem que ser clara, não moralista e passar a informação sobre como não contrair a infecção. A informação sobre as práticas de maior risco versus as de menor risco podem e devem ser descritas; mas não levar as pessoas objecto da prevenção a assumir que um risco menor é um risco nulo.
Estas campanhas, programas e intervenções não podem contribuir para o aumento da discriminação, estigmatização e marginalização dos grupos a que se dirigem; têm que ter exactamente o efeito contrário.
As pessoas que vivem com VIH como parte da solução
Desde o início da pandemia que os grupos mais atingidos e as pessoas infectadas se mobilizaram para fazer face à epidemia (sobretudos os homossexuais, nos EUA, Reino Unido, França, etc.). Este movimento teve um papel fundamental em pôr a epidemia na agenda pública e política, em exigir respostas, defender a saúde e os direitos das pessoas, mas também em apoiar as necessidades concretas de prevenção destes grupos. Os utilizadores de drogas injectáveis e as minorias étnicas tiveram mais dificuldade em se organizar, por razões que dispenso referir, embora muitas e importantes organizações tenham também aparecido.
O princípio GIPA
A importância deste envolvimento levou os países reunidos na Cimeira SIDA de Paris a aprovar o Princípio GIPA (Greater Involvement of People living with HIV/AIDS, maior envolvimento das pessoas com VIH), já de 1994, adoptado oficialmente por Portugal, que declara que as pessoas com VIH são essenciais na educação e cuidados e no delinear e implementar das políticas e programas capazes de responder, com sucesso, à epidemia.
A Declaração defende que a inclusão sistemática das pessoas que vivem com VIH protege os direitos humanos, diminui o preconceito, estigma e discriminação e melhora a saúde pública.
Consulta:
APN+ Position Paper GIPA Janeiro de 2004
Pontos essenciais na prevenção positiva
O princípio GIPA (nunca verdadeiramente implementado em Portugal) abre as portas para a necessidade de prevenção positiva.
Durante demasiado tempo houve muito pouca atenção, quer ao papel, quer às necessidades de prevenção das pessoas com VIH. A prevenção era feita para que as pessoas não infectadas o permanecessem e muitos pensavam (pensam) que as pessoas seropositivas não devem ter relações sexuais.
Ora a prevenção tem que ser para todos. As mudanças comportamentais são tão difíceis para os positivos, como para os negativos, como para os que não conhecem o seu estatuto serológico. Programas eficazes têm que aceitar o direito das pessoas com VIH à intimidade e à vida sexual. A criminalização não é a solução, muito menos a primeira.
A mensagem principal tem que continuar a ser, lembramos, quando se protege eficazmente nas práticas, protege-se o próprio e os outros, independentemente do estatuto serológico, conhecido ou não.
A prevenção positiva trabalha no contexto do direito das pessoas com VIH à saúde sexual, entendida para além da prevenção das ISTs, incluindo o direito à saúde reprodutiva e a uma vida sexual activa sem exploração, opressão e abusos.
Objecto
Focamo-nos só nas pessoas diagnosticadas com VIH e na transmissão sexual e parentérica. A prevenção da transmissão vertical é essencial, mas fica fora do âmbito desta discussão (apenas uma consideração: hoje não é aceitável não tratar as mães seropositivas, em nenhuma parte do mundo).
Princípio
Todos os actores no tratamento, nos cuidados e no apoio de pessoas com VIH devem ter conhecimentos apropriados sobre comportamentos sexuais e sobre consumo de drogas. Tal deve aplicar-se também a todos os que trabalham em serviços mais genéricos que contactam regularmente com as populações onde existem altas prevalências de infecção.
Nota: Em Portugal, nas consultas de infecciologia, nos hospitais de dia, nos CATs, nas carrinhas (tão poucas) de programas de baixo limiar, etc. onde estão os preservativos? Existe apoio sistemático e de qualidade à informação sobre práticas seguras? Pessoas seropositivas têm formação e são reconhecidas profissionalmente para fazerem aconselhamento e apoio entre pares?
Consulta:
Principles of HIV Prevention with positives
www.napwa.org
A situação portuguesa da epidemia e da prevenção
Epidemia
Depois de longos anos de negação oficial da dimensão da prevalência e incidência da epidemia, reconhece-se agora, pelo menos na generalidade, a gravidade da situação em Portugal.
Temos como dados mais relevantes (e inaceitáveis) a prevalência entre as grávidas da Grande Lisboa, 1,1%, a incidência nacional, aproximadamente 280 por milhão de habitantes/ano e os problemas relacionados com SIDA serem a primeira causa de morte dos homens na faixa etária dos 25-39 anos.
A partir de 1996 com a introdução da ART e o número real de mortes/ano desceu (pouco em Portugal) o número de pessoas que vivem com VIH aumenta continuamente e com uma taxa de incidência como a portuguesa aumenta ainda mais rapidamente. O aumento da prevalência é reconhecidamente um factor-chave para aumentar a incidência. Isto é, uma grande “pool” de infecção potencia a transmissão de VIH.
O aumento da sobrevivência e qualidade de vida das pessoas com VIH aumenta a probabilidade de relações sero-discordantes.
Numa análise muito grosseira e sem nenhum cuidado de rigor (que deveria ser feita), mas que pode permitir estabelecer prioridades e hipóteses de trabalho e lembrando que prevalências superiores a 1% são consideradas epidemia generalizada, calculamos que em Portugal a prevalência:
- Entre os homens que têm sexo com homens é 2-4%
- Entre os UDIs é de 10-16%
- Na população prisional é de 5-10%
- Na população de origem africana, cerca de 10 vezes superior à da população geral.
- Nos profissionais do sexo comercial muito alta, sem dados fiáveis e muito superior entre os travestis, transsexuais e homens (20-60%?).
- Dados fiáveis faltam entre os jovens homossexuais e heterossexuais, e outros grupos vulneráveis, diferentes grupos de migrantes, étnicos, etc.
Os dados da transmissão heterossexual estratificados por transmissão a partir de UDIs, entre grupos de migrantes, étnicos, em relações sexuais comerciais, de homens bissexuais para as mulheres, também não são conhecidos e são essenciais para controlar a progressão da epidemia na população geral.
Nota: sem um bom sistema de vigilância epidemiológica da infecção pelo VIH e o cruzamento com os dados da mortalidade de todas as pessoas infectadas (com garantias de confidencialidade dos dados pessoais), não teremos nem o retrato, nem o filme da epidemia, nem poderemos planear respostas eficazes para garantir o acesso universal aos tratamentos, à prevenção e aos testes e diminuir a incidência da infecção.
Prevenção
As campanhas, políticas e programas públicos de prevenção dos últimos 20 anos, quando existiram, só excepcionalmente foram avaliados independentemente, e nunca envolveram a comunidade no processo. Pensamos (mas também não foi avaliado) que, com excepção de algumas campanhas independentes da comunidade, o seu efeito se aproximou do zero. Os únicos programas com alguma eficácia (troca de seringas e tratamentos de substituição) tiverem origem fora da extinta CNLcSIDA e foram muito diminuídos no seu impacto por não incluírem avaliação contínua e independente (falta de cobertura da distribuição de seringas, racionamento, kit incompleto com efeitos devastadores na incidência da hepatite C, baixa cobertura dos programas de baixo limiar).
Temo que o discurso se fixe, agora, na prevenção de transmissão heterossexual de modo voluntarista, amador e sem impacto real.
Racional, factos e hipóteses para a prevenção positiva
Só há novas infecções por transmissão de VIH em relações pessoais sero-discordantes.
60 a 80% das pessoas que sabem ser seropositivas diminui os comportamentos de risco.
Os seropositivos eficazmente tratados são menos “infecciosos”.
Quanto maior a percentagem de pessoas que conhece estar infectada, maior a possibilidade de controlar a incidência. A despistagem, prevenção e tratamento nos grupos de grande prevalência é uma opção fundamental.
Para controlar o problema da transmissão de vírus resistentes são necessárias: prevenção e promoção da adesão e não dificultar o acesso aos tratamentos dos que são tidos na perspectiva dos médicos como não aderentes. Mesmo que o não fossem, a única opção de saúde pública com sentido é promover as boas práticas para a adesão (que existem).
Nota: que prevenção fazemos para os 12 000 doentes seguidos?
Comportamento sexual e transmissão
Precisamos de investigação séria sobre o comportamento sexual e de consumo de drogas das pessoas com VIH. Nos países que estudaram, a primeira conclusão é a de que entre as pessoas que conhecem o seu estatuto serológico positivo, 60 a 80% mudam para comportamentos mais seguros. Não é suficiente, necessitamos de conhecer cada grupo, e como melhorar os índices de comportamentos seguros, mas parece (há pelo menos alguns dados seguros para alguns grupos específicos) indicar que a transmissão tem uma de taxa incidência muito maior entre os que desconhecem o seu estatuto.
Nota 1: A taxa de transmissão de vírus resistentes, quase 10%, sem nenhuma prevenção estruturada entre os seropositivos, e considerando que a maioria das transmissões de pessoas em tratamento se faz com estirpes de vírus resistentes, indica também que ela acontece principalmente entre quem desconhece o próprio estatuto serológico. Mais, face ao que se conhece actualmente sobre primo-infecção (período de maior infecciosidade) e a não regressão para a estirpe selvagem, das pessoas infectadas com estirpes resistentes, parece – deve ser estudado – que muitas destas novas infecções com vírus resistentes aconteceria com desconhecimento do estatuto serológico por pessoas com comportamentos de risco.
Só por si seria uma indicação para aumentar o acesso efectivo aos testes, aos tratamentos e cuidados de saúde.
Nota 2: É exactamente na fase de seroconversão que a carga viral sobe mais e mais rapidamente e quanto maior a carga viral maior a probabilidade de transmissão. Estudos conclusivos sobre a correlação entre carga viral sanguínea e no esperma são necessários.
Promoção da saúde baseada em evidências e resultados
Recomendações
É necessário um conjunto claro e partilhado de objectivos para acção efectiva sabendo o que se está a tentar fazer, como e porquê.
Os focos devem ser: o ambiente social, a reorientação dos serviços, as comunidades e as redes sociais, sexuais e de consumo de drogas, os indivíduos e os casais. Com objectivos, métodos e referências publicadas (ou a publicar) que apoiam cada programa.
É necessário conhecer o estado do conhecimento sobre a infecciosidade das pessoas tratadas com sucesso, saber a percentagem das pessoas com virémia indetectável entre as que estão em tratamento e aumentar essa percentagem.
Garantir acesso ao tratamento (e à prevenção) para todas as pessoas diagnosticadas que têm indicações para tal.
Melhorar a adesão e reduzir a má prescrição médica.
Tudo isto não precisa de ser traduzido em mensagens públicas falsamente tranquilizadoras, mas deve fazer parte da política de saúde pública. Precisamos pôr em prática os princípios gerais e específicos de boas práticas (que existem) e continuar a investigação quando não são satisfatórios.
Recomendações avulsas e provocatórias (?) para criar condições para fazer eficazmente prevenção para/com as pessoas com VIH
Políticas
Regulamentar legalmente as drogas ilícitas, os migrantes clandestinos e o trabalho sexual.
Redução de riscos no consumo de drogas
Salas de consumo assistido nos lugares onde existe consumo público, com equipas de rua para trazer aos serviços de saúde os cerca de 50 000 consumidores problemáticos de drogas fora de qualquer serviço.
Cobertura das necessidades de programas de substituição de baixo limiar.
Heroína medicalizada para quem não responde aos outros programas.
Programas de prevenção da transmissão sexual para consumidores de drogas recreativas (incluindo os consumidores de álcool).
Disponibilização da substituição opiácea em meio hospitalar, sobretudo para os internamentos a partir das urgências.
Migrantes e minorias étnicas
Promoção da integração rápida e fácil no SNS, apoiada por programas de promoção de saúde de proximidade com equipas com qualificações adequadas nos bairros onde se concentram estas populações.
Nota: Tememos que a presença de carrinhas de testes VIH no meio da comunidade não seja o melhor meio para promover a adesão aos testes, devemos ajustar os programas (todos) aos resultados.
Políticas de saúde
Acesso e divulgação da profilaxia pós-exposição aos casais sero-discordantes, e trabalhadores do sexo.
Melhorar a performance dos CADs.
A jeito de conclusão
O GAT desenvolve actualmente um projecto global de aumento da literacia e preparação das pessoas que vivem com VIH, em tratamentos e cuidados de saúde, que nos parece fundamental, porquanto sabemos que as taxas de crenças e mitos relacionados com os tratamentos e também com os modos de transmissão do VIH são os que são.
Como diz o presidente do GAT, que é um migrante, citando Ghandi, “We must become the change we want to see”.
14 de Dezembro de 2005.