terça-feira, novembro 22, 2005

O que faz falta é assustar a malta


Peter Piot, director da ONUSIDA

DN 22.11.05

"Observo no discurso dos jovens a procura de sexo sem preservativo, a insistência em que há um prazer maior dessa forma, e uma ausência do medo da sida. Não viram ninguém próximo morrer disso e têm a ideia de que a doença passou a crónica, já não é mortal, que a medicina está a avançar muito e que o problema, daqui a uns anos, nem se vai colocar." As impressões deste activista da ILGA (associação de defesa de homossexuais), que faz distribuição de preservativos em vários locais da capital, nomeadamente nas zonas de diversão nocturna, vão ao encontro da análise do relatório da Onusida, que refere "um ressurgimento do comportamento sexual de risco" em vários países da Europa Ocidental, incluindo entre os homossexuais masculinos.

Portugal é aliás, com a Bélgica, Dinamarca, Suíça e Alemanha, um dos países europeus em que o número de novos diagnósticos atribuídos a sexo entre homens aumentou (bastante na Alemanha, ligeiramente nos outros) entre 2002 e 2004. No resto da Europa Ocidental, onde a tendência dominante é a do aumento das novas infecções atribuídas a sexo "hetero" e a subida do número de mulheres infectadas, os diagnósticos associados a sexo entre homens continuam a diminuir, mas outros sinais de perigo, como o aumento de casos de sífilis e de outra infecções sexualmente transmissíveis entre os homossexuais evidenciam uma provável alteração nessa curva.

doidos e amantes.
É, como comenta o activista da ILGA, "o regresso do sexo completamente desprevenido e ocasional, dos engates com pessoas que não se conhecem de lado nenhum voltou-se ao mesmo tipo de coisas que se faziam antes do 'grande susto', há 20 anos. Estava convencido de que estas coisas tinham acabado". A surpresa do membro da ILGA é compreensível: se os comportamentos sexuais de risco nunca deixaram de se verificar nas relações ditas heterossexuais - nomeadamente porque se criou a ideia de que a infecção por HIV era coisa de "grupos de risco", ou seja, "dos outros" - , entre os homossexuais masculinos, devido ao facto de o início da epidemia lhes ter sido associado, houve uma consciencialização do perigo muito mais aguda e um envolvimento militante na prevenção e no combate à doença.

Mas essa consciência, reconhece o activista, não foi herdada por quem tem agora vinte anos. E fenómenos comparáveis à roleta russa, como o barebacking (a procura de parceiros para sexo especificamente sem preservativo), chegaram já a Portugal. "Há uma desvalorização grande dos malefícios da doença", conclui o membro da ILGA, que, entre outros factores, atribui o facto à inépcia das campanhas, que "não têm sido suficientemente fortes para fazer passar a mensagem sobre o carácter mortal da doença". Ou seja é preciso reavivar o medo.

As netas e as avós.
Se algo pode contribuir para inculcar nas mentes a ideia de que a infecção por HIV não escolhe sexo, práticas sexuais nem idades, são os dados mais recentes relativos às notificações hospitalares. Se nos últimos anos se assistiu a um aumento dos diagnósticos entre idosos e nas mulheres em geral, as mais recentes notificações dão a ver, segundo Teresa Paixão, do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, a tendência para uma subida no número de casos nas jovens entre 16 e 18 anos e nas mulheres com mais de 50 anos, umas e outras, frisa a investigadora, "portadoras assintomáticas".

Na sua última visita a Portugal, em Outubro, o director executivo da Onusida, Peter Piot, manifestou preocupação com a situação portuguesa, sobretudo depois de ter tomado conhecimento da prevalência da infecção entre as grávidas da zona de Lisboa - mais de 1%, ou seja, um valor que a Onusida classifica como sendo de "epidemia generalizada". Mas nas ruas de Lisboa onde se compra e vende sexo os avisos de Piot não parecem ter qualquer eco, a crer no membro da "brigada do preservativo" da ILGA "No último ano temos ouvido apelos sistemáticos no sentido de que se faça alguma coisa para que os clientes se convençam a usar preservativo. Prostitutos e prostitutas queixam-se do mesmo: não conseguem convencê-los."

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