quarta-feira, agosto 24, 2005

Novo sistema de vigilância epidemiológica na gaveta

Público 24.08.05

Estima-se que apenas um terço das doenças de declaração obrigatória sejam notificadas.

O número de notificações de doenças de declaração obrigatória tem vindo a cair ao longo da última década. As estatísticas da Direcção-Geral da Saúde(DGS) escondem, porém, uma boa e uma má notícia. Significam, por um lado, que há doenças hoje controladas graças à melhoria das condições de salubridade e à elevada taxa de vacinação, mas, por outro lado, são a prova flagrante de um problema há muito tempo diagnosticado: o da subnotificação de várias patologias, uma situação "crónica e continuada", admite Mário Carreira, epidemiologista da DGS.

Conhecido das autoridades de saúde há muito tempo, o problema da subnotificação impede que se tenha uma visão correcta da realidade do país. "Estima-se que apenas um terço das doenças sejam notificadas", avança Mário Jorge, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), defendendo que é necessário adquirir meios técnicos para agilizar o sistema.

Mas não só. O problema, preocupante sobretudo ao nível das doenças sexualmente transmissíveis, apenas se resolverá "com a modificação profunda" do sistema de vigilância epidemiológica, preparada e concluída pela DGS em 2004, mas que, com a mudança do Governo, ficou em suspenso, lembra Mário Carreira.

"Há pelo menos dois anos" que a DGS está empenhada em alterar o quadro legislativo sobre vigilância epidemiológica, que se baseia num diploma datado 1949, conta Carreira. Um anteprojecto do diploma que iria criar o novo sistema, enquadrando os vários modelos avulsos e prevendo novas formas de notificação, foi enviado para o anterior ministro da Saúde, em Outubro de 2004. Só que a Comissão Nacional de Protecção de Dados determinou que o diploma passasse pela Assembleia da República, mas já não foi a tempo, porque o Parlamento foi entretanto dissolvido. E o diploma permanece na gaveta. "A versão oficial já esteve em discussão pública em 2004." Porém, com a mudança de governo, "mudaram as prioridades", lamenta Mário Carreira.

Uma das principais novidades desta reformulação tinha a ver com a passagem de uma notificação dita "passiva" (por depender apenas do envio da notificação pelo médico) para outra "activa", em que as autoridades de saúde iriam procurar a informação junto dos médicos e dos hospitais. Os laboratórios de análises clínicas também passariam a notificar casos. Depois de alguma contestação inicial, a ANMSP concordou com o projecto. "Pode ser mais fácil conciliar dois sistemas imperfeitos do que ter um sistema perfeito", explica Mário Carreira, notando que só com um sistema tem-se "um erro superior".

Seja como for, a diminuição de notificações nos últimos anos "genericamente é um bom sinal", volta a frisar o Mário Carreira, observando que é necessário olhar para estatísticas da DGS com cuidado. Por exemplo, explica, o "pico" verificado em 1996/97 (ver caixa) teve a ver basicamente com uma alteração do vírus da papeira que obrigou à adaptação da vacina. Nesse anos houve epidemias de papeira, com milhares de casos declarados, tendo o problema voltado a verificar-se em 2000. Mas a DGS não está preocupada com esta doença. Pelo contrário: "É um verdadeiro sucesso do sistema de vigilância, porque significa que o sistema conseguiu detectar o problema."

Doenças sexualmente transmissíveis em causa
O mesmo não está a acontecer com outras patologias. A tendência para a subnotificação persiste em muitas, admite o epidemiologista, reconhecendo que os números declarados das doenças sexualmente transmissíveis são"ridículos". Quem acredita, por exemplo, que no ano passado apenas tenham ocorrido 28 casos de gonorreia e 110 de sífilis em Portugal, menos ainda do que nos anos anteriores?

A este propósito, Mário Carreira aproveita para recordar o relatório divulgado no início deste ano por um grupo de trabalho da DGS e que alertava para o facto de a alta prevalência do HIV em Portugal apontar para a existência de números elevados de outras infecções sexualmente transmissíveis.

Na altura, a coordenadora do grupo de trabalho, Filomena Exposto, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), defendeu que a prioridade devia ir para a criação "de um sistema de notificações completo", que tipifique as pessoas mais vulneráveis a estas infecções - por norma as mulheres, justamente o contrário do que surge nas estatísticas da DGS, onde há um claro predomínio no sexo masculino.

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