terça-feira, julho 04, 2006
Acerca da entrevista do Ministro
Salomé segurando uma bandeja com a cabeça de São João Baptista
Tiziano Vecellio, ca. 1515, Roma
Enviada: Sexta-feira, 30 de Junho de 2006.
Caro Prof. Henrique de Barros
Chamo a sua atenção para a entrevista do Ministro da Saúde à Sábado.
A ANF, depois de ter visto recusada, por duas vezes (primeiro pelo Conselho Consultivo da Comissão Nacional de Luta contra a SIDA, na reunião de 17 de Setembro de 2002, depois no “Relatório do Grupo de Trabalho para regulamentar a dispensa por parte das farmácias de oficina de alguns medicamentos actualmente dispensados exclusivamente na farmácia hospitalar” aprovado em 27 de Janeiro de 2005 pela então Secretária de Estado para a Saúde, Dr.ª Regina Ramos Bastos) a sua “generosa” proposta de distribuição de ARV, viu agora o Ministro da Saúde aceitá-la “de bandeja” escudando-se na pretensa existência de um “mercado paralelo de ART em Portugal”.
Conhecerá o Ministro aquele documentos e as razões e fundamento para aquelas recusas?
Tem conhecimento da entrevista? Da existência de tal mercado? Dos hospitais com que o Ministro se reuniu e onde existe “evidência” de que os pacientes revendem os medicamentos?
E a quem, se estão acessíveis gratuitamente a todos os residentes? Exportam-nos? Que se chame então a atenção do MF, do ME, BP e INE – podem estar a contribuir para a melhoria das contas nacionais!
Diz o Ministro que “as farmácias se disponibilizaram para fazer essa distribuição a um preço nominal”. Para quem? Para o MS que fica a pagar, nominalmente claro, mais do que paga agora? Para os “pacientes”? É este o princípio do fim dos ARV gratuitos? Será por isto que já corre nos “mentideros” que as pessoas com VIH vão passar a pagar 250 euros por mês para terem acesso aos ARV?
A entrevista apresenta outras ministeriais novidades – embora os argumentos sejam os que a ANF tem sucessivamente apresentado é a primeira vez que o MS os toma a sério e defende tão linearmente.
Um “registo de doentes com SIDA” a fazer aparentemente pelas farmácias, cujo sistema informático “dá garantias”. Conhece o Ministro a Lei de protecção de dados? Está a CNPD informada desta diligência? O que será feito da iniciativa, anunciada pela Coordenação, de um sistema credível de informação epidemiológica? Passará para a ANF como, já em 2002, se temia?
Mais adiante defende o Ministro que “passaremos a ter um registo terapêutico muito completo”. Nas farmácias? O que se passa com as fichas de utentes nos hospitais? Não são completas? Vão deixar de existir?
Depois parece que o tal mercado paralelo já não é o essencial. “O essencial é a comodidade do doente”. E a sua privacidade? E a exposição dos seus dados de saúde – e do seu regime terapêutico? E o que acham os “doentes” dessa “comodidade”? Vão ou não poder continuar a abastecer-se de todos os ARV nas farmácias hospitalares? Haverá uns num lado, outros noutro, de acordo com os interesses comerciais das farmácias privadas?
A possibilidade de “articular com as farmácias a toma presencial”. Á frente de quem? Do proprietário? Dos empregados? Do público? Em jejum? Com alimentação – com gordura, sem gordura – fornecida pelas farmácias? A qualquer hora e em todos os dias da semana? O que se passará fora do horário de abertura ou quando as farmácias não estão de serviço ou estão de folga?
Parece-me vital que a CNSIDA conheça e discuta aberta e publicamente – com quem melhor entender – a proposta de acordo MS/ANF com base nos documentos já citados e que tome uma posição que esclareça o MS dos antecedentes e consequências desta “bondade” da ANF.
A minha opinião pessoal fica dada, para todos os efeitos.
Com os meus melhores cumprimentos
Pedro Silvério Marques *
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* membro do Conselho Consultivo do GAT