segunda-feira, julho 18, 2005

Acordo do governo brasileiro com a Abbott frustra expectativas dos brasileiros

Desde 2001, o Brasil produz sete dos 12 medicamentos anti-retrovirais (ARVs) distribuídos nacionalmente. No entanto, 70% dos gastos são direcionados à compra de apenas quatro medicamentos patenteados: Lopinavir/Ritonavir (Abbott); Tenofovir (Gilead Sciences, Inc.); Efavirenz (Merck & Co, Inc.) e Nelfinavir (Agouron Pharmaceuticals).

Nos últimos quatro anos, em várias ocasiões o Brasil ameaçou emitir licenças compulsórias de ARVs, utilizando-se de uma salvaguarda legal, estabelecida pela Organização Mundial do Comércio e pela legislação brasileira, para garantir a sustentabilidade do Programa Nacional de Aids. A ameaça dos licenciamentos compulsórios pode ter sido um instrumento eficaz, no início das discussões em 2001, para forçar as indústrias farmacêuticas a reverem seus preços, porém esse modelo dá sinais claros de desgaste e obsolescência. Prova disso é o acordo anunciado pelo Ministério da Saúde como desfecho ao ultimato dado a indústria Abbott, para a produção local do Lopinavir/Ritonavir (Kaletra®). Depois do anúncio da "quebra da patente" por vários órgãos de imprensa e frases de efeito do ministro da saúde, à época Sr. Humberto Costa na Organização Mundial De Saúde e na UNAIDS, o que se viu realmente foi um acordo obscuro e sob termos impossíveis de avaliar diante da falta de transparência das informações fornecidas pelo governo.

Diante desse fato, o GRUPO DE TRABALHO SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL/REDE BRASILEIRA PELA INTEGRAÇÃO DOS POVOS vem questionar os termos do acordo com a empresa Abbott, sobre o qual temos conhecimento apenas através de nota dúbia emitida pelo Ministério da Saúde, que sequer deixa claro o valor da unidade do medicamento negociado, o Kaletra®.

Denunciamos que:
- considerar vantajoso o licenciamento voluntário em 2009 de uma patente que expira em 2012 é no mínimo um acinte à inteligência do movimento social e das pessoas vivendo com HIV/AIDS;

- com este acordo o governo não vai alcançar a meta anunciada pelo Ministério da Saúde de poupar R$ 130 milhões, no primeiro ano, com o licenciamento compulsório do kaletra®, como foi publicamente anunciado;

- ceder aos interesses da Abbott compromete o futuro do Programa Nacional de DST/AIDS, uma vez que um acordo de redução de preços é um instrumento frágil e de sustentação questionável, sobretudo quando não há transparência nas negociações;

- as negociações com as detentoras das patentes dos outros anti-retrovirais não devem seguir a tônica dos encaminhamentos realizados com a Abbott, sob pena de resultarem em contratos tão desvantajosos e nebulosos quanto o do Kaletra®;

- o acordo não toca no projeto da empresa Abbott, divulgado em abril desse ano, de produzir em sua fábrica brasileira o medicamento ameaçado pelo licenciamento compulsório, com anunciados benefícios, tais como aumento da arrecadação de impostos e redução do déficit comercial;

- firmar esse pacto velado e desvantajoso com um gigante da indústria farmacêutica é uma ação que prejudica não apenas os brasileiros/as, mas os países em desenvolvimento como um todo.

Ao agir de forma vacilante, temerosa e obscura, o governo federal frustrou as expectativas da sociedade civil de reconhecer um Estado forte e disposto a defender os interesses da saúde pública acima dos interesses comerciais.

Esperamos uma ação mais efetiva e transparente e maior diálogo por parte do novo ministro da saúde, para que dê real continuidade aos anseios públicos de licenciar compulsoriamente medicamentos essenciais à manutenção do Programa Nacional de AIDS. A reiterada recusa da utilização do instrumento legítimo e legal da licença compulsória indica que as salvaguardas previstas na lei de propriedade industrial brasileira são simples acessórios e apenas letra morta em face dos interesses do mercado.

Tornamos público nosso descontentamento com a medida e lamentamos, sobretudo, a postura do governo federal que permite que a indústria farmacêutica internacional defina o que é bom para a saúde pública e para o acesso a medicamentos no Brasil. Diante dos fatos expostos exigimos que o atual acordo com a Abbott seja revisto em prol da licença compulsória e que as negociações com as detentoras das patentes dos outros anti- retrovirais não sejam mais encaminhadas da mesma forma que as realizadas com a Abbott, a portas fechadas!

Atentamente,
Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da REBRIP
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS - ABIA
13 de Julho de 2005

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