sexta-feira, novembro 23, 2007
Há-de cuspir-lhe na sopa...
DN 23.11.07
Esta segunda-feira, ficou a saber-se que o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão de Maio, havia confirmado a sentença do Tribunal de Trabalho que em Março avalizara a justeza da cessação do contrato de trabalho de um cozinheiro com HIV. Para o Tribunal do Trabalho "ficou provado que [o cozinheiro] é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluídos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida" e portanto constitui "um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante do hotel".
Sendo certo que para uma parte substancial dos portugueses inquiridos sobre as vias de infecção do HIV os tampos das sanitas e apertos de mão estão no top - por que não então o suor, sangue e lágrimas aspergidos na comida por quem a cozinha, coisa que pelos vistos deve ser normal e corrente na restauração (onde está a ASAE quando mais precisamos dela?)- esperar-se-ia de juízes um pouco mais de informação. Que, por exemplo, atendessem ao Direito Comparado - nos anos 90, dois casos idênticos no Canadá e nos EUA foram considerados pelos tribunais "discriminatórios", "inaceitáveis" e "sem qualquer fundamento científico". Que conhecessem e atendessem às recomendações da Provedoria de Justiça - em 1999, a propósito de um militar seropositivo cuja função era, precisamente, cozinhar, o então provedor Menéres Pimentel escreveu: "O militar em causa, portador do HIV, nunca poderia ser considerado uma ameaça para a saúde pública no exercício das suas funções, que à altura eram de reforço na cozinha." Que ouvissem os especialistas (a negar, em bloco, a existência de perigo). Por fim e em suma, esperar-se-ia que os juízes conhecessem a lei e a Constituição e o fulcro da sua função: ser justos, pacificar.
Mas estes juízes fizeram o contrário. Entrincheirados na sua ignorância e preconceito, certificaram que, afinal, todas as campanhas antidiscriminação de seropositivos, incluindo as que incidem sobre casos de crianças expulsas de escolas, estavam erradas. Que os seropositivos devem ser despedidos, marginalizados, perseguidos, expulsos. Que as pessoas devem recusar o teste de HIV e, caso estejam infectadas, devem escondê-lo de toda a gente - a começar pelos médicos do trabalho .
O cozinheiro despedido percebeu-os muito bem: no restaurante onde entretanto arranjou emprego, ninguém sabe que ele é seropositivo. E, com um bocado de sorte, se um dos juízes em causa por lá aparecer, há-de cuspir-lhe na sopa.
Esta segunda-feira, ficou a saber-se que o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão de Maio, havia confirmado a sentença do Tribunal de Trabalho que em Março avalizara a justeza da cessação do contrato de trabalho de um cozinheiro com HIV. Para o Tribunal do Trabalho "ficou provado que [o cozinheiro] é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluídos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida" e portanto constitui "um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante do hotel".
Sendo certo que para uma parte substancial dos portugueses inquiridos sobre as vias de infecção do HIV os tampos das sanitas e apertos de mão estão no top - por que não então o suor, sangue e lágrimas aspergidos na comida por quem a cozinha, coisa que pelos vistos deve ser normal e corrente na restauração (onde está a ASAE quando mais precisamos dela?)- esperar-se-ia de juízes um pouco mais de informação. Que, por exemplo, atendessem ao Direito Comparado - nos anos 90, dois casos idênticos no Canadá e nos EUA foram considerados pelos tribunais "discriminatórios", "inaceitáveis" e "sem qualquer fundamento científico". Que conhecessem e atendessem às recomendações da Provedoria de Justiça - em 1999, a propósito de um militar seropositivo cuja função era, precisamente, cozinhar, o então provedor Menéres Pimentel escreveu: "O militar em causa, portador do HIV, nunca poderia ser considerado uma ameaça para a saúde pública no exercício das suas funções, que à altura eram de reforço na cozinha." Que ouvissem os especialistas (a negar, em bloco, a existência de perigo). Por fim e em suma, esperar-se-ia que os juízes conhecessem a lei e a Constituição e o fulcro da sua função: ser justos, pacificar.
Mas estes juízes fizeram o contrário. Entrincheirados na sua ignorância e preconceito, certificaram que, afinal, todas as campanhas antidiscriminação de seropositivos, incluindo as que incidem sobre casos de crianças expulsas de escolas, estavam erradas. Que os seropositivos devem ser despedidos, marginalizados, perseguidos, expulsos. Que as pessoas devem recusar o teste de HIV e, caso estejam infectadas, devem escondê-lo de toda a gente - a começar pelos médicos do trabalho .
O cozinheiro despedido percebeu-os muito bem: no restaurante onde entretanto arranjou emprego, ninguém sabe que ele é seropositivo. E, com um bocado de sorte, se um dos juízes em causa por lá aparecer, há-de cuspir-lhe na sopa.
Etiquetas: trabalho
Comments:
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A falta de informação dos portugueses é... Não tenho palavras para descrever o que sinto perante este (porque é o que se sabe, pois o cozinheiro teve a coragem de se mostrar!) caso!
Há sete anos, atrás, fui proibido de beijar, nas faces, os meus sobrinhos!!... São todos muito cultos e bem informados!! Ainda, hoje, não os beijo...
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Há sete anos, atrás, fui proibido de beijar, nas faces, os meus sobrinhos!!... São todos muito cultos e bem informados!! Ainda, hoje, não os beijo...
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