sexta-feira, junho 01, 2007

Portugal apoia a legalização do ópio afegão

DN 29.05.07

Portugal poderá vir a apoiar a legalização da cultura da papoila e a produção de ópio no Afeganistão no âmbito da luta que a NATO desenvolve contra os talibãs que ameaçam o regime do Presidente Ahmid Karzai. E que, aparentemente, estão a recorrer ao narcotráfico para financiarem a sua insurreição, criando, em simultâneo, uma teia de protecções e de cumplicidades com os agricultores afegãos que dependem dessa cultura para sobreviverem.

Se a opção pela legalização da cultura da papoila vier a ser adoptada, o ópio afegão passaria a ser canalizado para a produção de analgésicos (pain killers), cuja composição assenta naquela substância (opiáceos), abastecendo um mercado mundial que é deficitário e que pratica um nível de preços que é demasiado penalizador para os países do Terceiro Mundo. Ao ponto de nos hospitais de Cabul ser quase impossível encontrar a morfina ou a codeína que permitiria aliviar a dor dos doentes que ali se encontram internados.

Esta medida, que já foi proposta pelo Senlis Council, um think tank sediado em Paris, permitiria introduzir igualmente alguns mecanismos de controlo sobre a cultura da papoila no Afeganistão, limitando a produção de ópio e evitando que o combate ao narcotráfico continue a empurrar os agricultores afegãos para os braços dos talibãs.

Como tem vindo a suceder nos últimos cinco anos, período ao longo do qual a produção de ópio no Afeganistão subiu 32 vezes. Exemplo disso são os números citados pelos sucessivos relatórios da ONU, que deixam bem clara a forma como os agricultores e os narcotraficantes afegãos aproveitaram o caos que se seguiu à intervenção dos EUA no país e que lhes permitiu contornar muito rapidamente as medidas repressivas decretadas pelo regime talibã. Das escassas 185 toneladas de ópio que produzia em 2001, o Afeganistão passou para as 6100 toneladas registadas em 2006. Sendo que a expectativa para este ano, quando a época das colheitas ainda vai a meio, revela que a produção afegã deverá voltar a bater todas as fasquias, denunciando o fracasso das políticas erradicação da cultura da papoila lançadas por Cabul.

A posição de Lisboa, que é anterior à recente transferência de uma companhia de comandos portugueses para a província de Kandahar, uma das regiões mais perigosas do Afeganistão, é, tanto quanto o DN apurou, idêntica às medidas que Itália, Canadá, Alemanha e Reino Unido poderão vir também a defender publicamente, ainda que elas esbarrem na intransigência dos EUA.

Resta saber o que dirá o Paquistão e, em particular, o próprio Afeganistão, onde começam a surgir também alguns sinais que vão ao encontro da proposta formulada pelo Senlis Council. Seja como for, o facto é que o ópio do Afeganistão, que, neste momento, representa cerca de 90% da produção mundial, tende a crescer ainda mais, ocupando já 165 mil hectares de terra arável no país. O que contrasta com os escassos 7600 hectares de papoila que existiam em 2001, meses antes de os EUA terem passado à acção, derrubando o regime talibã que servia de anfitrião a Ben Laden e à Al-Qaeda.

Sem que as novas autoridades do Afeganistão e a comunidade internacional que as sustentam tenham conseguido oferecer grandes alternativas de rendimento aos agricultores afegãos, que há séculos se dedicam à cultura da papoila e à produção de ópio, ganhando hoje dez vezes com o abastecimento dos narcotraficantes do que ganhariam se produzissem milho ou frutas.

Caso ainda persistissem dúvidas sobre a relação entre a produção de ópio afegã, o narcotráfico e a insurreição talibã, um estudo recente da Jamestown Foundation encarregar-se-ia de as desfazer. Nesse estudo, o think tank norte-americano demonstra que dois terços das baixas que a NATO sofreu até agora no Afeganistão ocorreram em províncias que são responsáveis pela produção de 62% do ópio afegão.

O que ajuda a perceber também as razões por que Helmand e Kandahar - duas províncias que em conjunto representam 54% do ópio que se produz no Afeganistão - são dois dos lugares mais inóspitos e perigosos para as forças da NATO.

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