segunda-feira, abril 23, 2007
Eduardo Missoni sobre sida
Público 23.04.07
PÚBLICO - Zangou-se com o G-8 por causa do preço dos medicamentos que as multinacionais fazem ao Terceiro Mundo?
EDUARDO MISSONI - Na presidência italiana do G-8 fui nomeado presidente do grupo de saúde pública. Trabalhámos temas como o acesso aos medicamentos e aos serviços básicos, a fuga de cérebros para os países desenvolvidos, a propriedade intelectual dos medicamentos.
Os ministros das Finanças disseram-nos que solução tínhamos que encontrar. Normalmente, os técnicos estudam a situação e as alternativas. Depois, os líderes fazem a declaração política. Considerei que não era apropriada a imposição da decisão política antes do trabalho [técnico]. Retirei-me do cargo. Participei no Fórum Social de Génova, para dar informações sobre a saúde no Terceiro Mundo.
Falta vontade política dos grandes países para resolver questões como a sida?
Sim. As declarações são positivasm mas, no momento da verdade, os fundos são limitados, as normas do jogo não são claras. Há países desenvolvidos que subtraem cérebros aos países de África: há mais médicos do Zimbabwe fora do país do que dentro. E foram formados no Zimbabwe. Mas podia dar outros exemplos.
Cada país que forma uma boa classe médica perde esse investimento em favor dos países ricos. É o mesmo com a economia, em que [o comércio] favorece os países ricos, criando um processo de empobrecimento dos que já são pobres. As diferenças no mundo crescem.
Tendo em conta a sua experiência, que áreas deveriam merecer mais atenção? Sida, tuberculose, outro tipo de doenças?
O mais importante é uma visão integral do acesso à saúde. As doenças são consequência de um sistema. [Devemos ter] uma aproximação integral ao problema. Se enfrentamos o problema da sida sem considerar a saúde da mulher, estamos a fragmentar o sistema de saúde. A resposta é voltar aos princípios da declaração de Alma Ata (1978): acesso de todos aos serviços básicos e aos medicamentos, formação básica, prevenção...
Debate-se a redução do preço dos medicamentos, por exemplo, no combate à sida. É uma medida prioritária?
Seguramente, em África, temos que ter respostas no acesso e disponibilidade de medicamentos. Se isso se limitar a pequenos grupos, a situação não muda.
É possível baixar os preços?
Há falta de vontade política, no sentido de condicionar a negociação com os fortes lobbies farmacêuticos. Eles já têm muito lucro. Se tiverem uma visão de responsabilidade social, o lucro é menor. Perante accionistas que querem crescer e ganhar, ganhar, ganhar, se não houver vontade política, o mercado, sozinho, não responderá.
Quer dizer que, no combate à sida, têm mais poder as grandes farmacêuticas do que os Governos?
No Brasil, o Governo teve uma intervenção forte, para assegurar a distribuição de medicamentos, e utilizou regras da Organização Mundial de Comércio que permitem, se houver urgência, que um país utilize [os medicamentos] sem considerar o direito de propriedade.
Isto varia de país para país. Numa dinâmica mais global, ainda não há vontade de resolver o caso. Só uma forte política permite que a negociação possa ser feita em favor dos pobres. Os pobres não têm força para negociar.
A pressão da consciência social tem um papel a jogar. Todos temos que fazer uma reflexão sobre o estilo de vida e o modelo de sociedade que se propõe.
(...)
PÚBLICO - Zangou-se com o G-8 por causa do preço dos medicamentos que as multinacionais fazem ao Terceiro Mundo?
EDUARDO MISSONI - Na presidência italiana do G-8 fui nomeado presidente do grupo de saúde pública. Trabalhámos temas como o acesso aos medicamentos e aos serviços básicos, a fuga de cérebros para os países desenvolvidos, a propriedade intelectual dos medicamentos.
Os ministros das Finanças disseram-nos que solução tínhamos que encontrar. Normalmente, os técnicos estudam a situação e as alternativas. Depois, os líderes fazem a declaração política. Considerei que não era apropriada a imposição da decisão política antes do trabalho [técnico]. Retirei-me do cargo. Participei no Fórum Social de Génova, para dar informações sobre a saúde no Terceiro Mundo.
Falta vontade política dos grandes países para resolver questões como a sida?
Sim. As declarações são positivasm mas, no momento da verdade, os fundos são limitados, as normas do jogo não são claras. Há países desenvolvidos que subtraem cérebros aos países de África: há mais médicos do Zimbabwe fora do país do que dentro. E foram formados no Zimbabwe. Mas podia dar outros exemplos.
Cada país que forma uma boa classe médica perde esse investimento em favor dos países ricos. É o mesmo com a economia, em que [o comércio] favorece os países ricos, criando um processo de empobrecimento dos que já são pobres. As diferenças no mundo crescem.
Tendo em conta a sua experiência, que áreas deveriam merecer mais atenção? Sida, tuberculose, outro tipo de doenças?
O mais importante é uma visão integral do acesso à saúde. As doenças são consequência de um sistema. [Devemos ter] uma aproximação integral ao problema. Se enfrentamos o problema da sida sem considerar a saúde da mulher, estamos a fragmentar o sistema de saúde. A resposta é voltar aos princípios da declaração de Alma Ata (1978): acesso de todos aos serviços básicos e aos medicamentos, formação básica, prevenção...
Debate-se a redução do preço dos medicamentos, por exemplo, no combate à sida. É uma medida prioritária?
Seguramente, em África, temos que ter respostas no acesso e disponibilidade de medicamentos. Se isso se limitar a pequenos grupos, a situação não muda.
É possível baixar os preços?
Há falta de vontade política, no sentido de condicionar a negociação com os fortes lobbies farmacêuticos. Eles já têm muito lucro. Se tiverem uma visão de responsabilidade social, o lucro é menor. Perante accionistas que querem crescer e ganhar, ganhar, ganhar, se não houver vontade política, o mercado, sozinho, não responderá.
Quer dizer que, no combate à sida, têm mais poder as grandes farmacêuticas do que os Governos?
No Brasil, o Governo teve uma intervenção forte, para assegurar a distribuição de medicamentos, e utilizou regras da Organização Mundial de Comércio que permitem, se houver urgência, que um país utilize [os medicamentos] sem considerar o direito de propriedade.
Isto varia de país para país. Numa dinâmica mais global, ainda não há vontade de resolver o caso. Só uma forte política permite que a negociação possa ser feita em favor dos pobres. Os pobres não têm força para negociar.
A pressão da consciência social tem um papel a jogar. Todos temos que fazer uma reflexão sobre o estilo de vida e o modelo de sociedade que se propõe.
(...)