sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Comentários do GAT ao Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção VIH/sida

31.01.07

Comentários ao Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção VIH/sida pelo G.A.T. – Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos de VIH/SIDA – Pedro Santos

Pontos prévios

a. Metodologia
Este Programa, inicialmente apresentado como “Linhas gerais”, pressupõe a elaboração de um Plano da Acção, Plano de Monitorização e Avaliação e de Planos sectoriais para os quais se desconhece a metodologia e calendários, para além da referência à calendarização do processo de consulta pública, os quais serão apresentados a 26 de Março de 2007.
Não é no entanto claro, no programa apresentado, quem será responsável pela elaboração daqueles documentos, qual a participação da Sociedade Civil, quando vão estar em discussão pública (se é que vão), qual o seu horizonte temporal, etc.
Parece ainda haver, em quase todos os capítulos detalhados, alguma confusão metodológica entre objectivos e estratégias.

b. Título
Este Programa é intitulado de “Prevenção e Controlo”. Embora o reforço e a prioridade da prevenção sejam indiscutíveis – num País que tão pouco fez e com tão poucos resultados nesta área –, entendemos que o próprio título deveria englobar todas as actividades necessárias ao controlo da infecção (de resto previstas no plano), tratamentos, cuidados de saúde e apoio e suporte às pessoas infectadas e afectadas.

c. Organizações que “representam” os doentes
Por diversas ocasiões, se faz referência a organizações que representam os doentes. Porque o assunto da “representação” e da “representatividade” é um aspecto sensível dentro da comunidade das pessoas afectadas ou infectadas e não abrange a totalidade das organizações activas junto dela, entendemos que este termo deve ser substituído por um termo mais abrangente, ou a sua utilização acrescida da enunciação de outras organizações da sociedade civil legitimamente envolvidas com a infecção pelo VIH ou SIDA.

d. Quantificação ou calendarização de objectivos
Os objectivos não estão quantificados nem têm associado um calendário de implementação. Mesmo que o programa tenha de ser complementado por um Plano de Acção, os objectivos gerais deveriam desde já ter associadas metas, também gerais, e calendários mais detalhados de implementação.

e. Orçamentação do investimento global previsto
Falta neste Plano a quantificação das verbas afectas à sua implementação e, pelo menos, uma primeira indicação da sua distribuição pelas diferentes metas e objectivos.


Introdução – páginas 4 e 5

1. O Plano remete para o Programa do XXXVII Governo, Plano Nacional de Saúde, e afirma que aquele tem como quadro de referência as orientações da Declaração do Milénio, da UNGASS 2001, de Dublin e de Vilnius.
Pensamos que conviria, também, ter presente e remeter para o Plano Europeu em tudo o que é relevante para Portugal, bem como os comentários oportunamente feitos ao Plano Nacional de Saúde (documento provisório) e que juntamos em anexo.

2. Afirma-se que o documento final conterá informações sobre a dinâmica “internacional” da epidemia, que as orientações propostas serão “consensualmente” justificadas e que o plano de acção a propor fará parte de “documento independente”.
Pensa-se que o Programa Nacional se deveria centrar na dinâmica nacional, que é necessário assumir orientações, mesmo que não sejam consensuais, e é vital que seja imposto ou assumido um compromisso temporal para que o plano de acção esteja elaborado, discutido e aprovado.
Parece faltar na introdução qualquer referência aos necessários planos sectoriais para que tanta coisa é remetida nas orientações estratégicas.



A situação da epidemia em Portugal – páginas 5, 6 e 7

3. O impacto epidemiológico está definido com os números de Junho de 2006.
Os dados para caracterizar a epidemia devem ser os mais recentes que existirem – neste momento já estão publicados dados referentes a 27 de Novembro de 2006.

4. Na caracterização da epidemia muitos dos dados e informações apresentados (parágrafos segundo, parte do quarto e quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimos segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto) não têm indicação de fonte.
Dado que muitos destes dados (ou a sua evolução) vão constituir objectivos ou metas a alterar (através do plano), deve haver uma relação exaustiva das fontes e critérios de caracterização da epidemia para que as futuras comparações e avaliações sejam legítimas e fidedignas.

5. Os valores utilizados para caracterização da situação epidemiológica apresentam contradições e causam confusão na leitura e entendimento da situação existente.
Os vários dados de caracterização da situação epidemiológica, porque provenientes de fontes muito diversas, apresentam contradições entre si que, em nosso entender, deveriam ser objecto de explicação e reconciliação.
Por outro lado, nota-se a ausência quase completa sobre dados da epidemia nas mulheres que constituem parte da população mais em risco e que devem ser objecto de tratamento individualizado no Plano.


6. No final do segundo parágrafo, é feito um comentário sobre a efectividade do investimento na prestação de cuidados.
Entendemos que este comentário, tal como está feito e onde está colocado, pode ter consequências do ponto de vista da continuidade do mesmo investimento.
É um facto que se tem de avaliar negativamente tudo – ou quase tudo – o que foi feito em termos de prevenção, tratamentos, boa prescrição, acesso aos medicamentos, promoção da adesão, prestação de cuidados, formação de clínicos e técnicos, etc.
Mas, isolar e destacar o investimento na prestação de cuidados, parece-nos francamente perigoso e com consequências possivelmente muito negativas no acesso universal aos cuidados. Tem é de se fazer mais e melhor.


7. São destacados como “grandes sucessos” a transmissão mãe-filho e a política de segurança de sangue.
Entendemos que se deve ser mais cuidadoso em relação a estes sucessos. De notar que nos dados mais recentes de notificações, em 6 meses de 2006, houve 1 caso de TV e 2 de infecção por produtos sanguíneos, em 163 casos de SIDA notificados.


O compromisso – páginas 8, 9 e 10

8. O ponto 3.1 inicia-se com a identificação “de uma visão em que se prevê o fim da epidemia”.
Parece-nos que esta frase pela falta de realismo que denota num Plano a três anos deve ser eliminada.

9. No ponto 3.2 (Missão) refere-se, e bem, a necessidade de desenvolvimento de planos sectoriais e o estabelecimento de um órgão interministerial onde se possam atingir consensos políticos.
Pensamos que se tem de ser mais específico em relação às responsabilidades pelo desenvolvimento dos planos sectoriais e mais objectivo na definição do nível a que este órgão interministerial deve estar colocado e da sua inerente competência política e poder de decisão – PM, AR?

10. A introdução do ponto 3.3 (valores e princípios) volta a referir apenas a “prevenção e controlo da infecção”.
Como já apontámos em relação à própria designação do Plano, e para não entrar em contradição com a visão e missão definidas anteriormente, devem ser incluídos os aspectos referentes aos tratamentos, cuidados de saúde e apoio e suporte às pessoas infectadas e afectadas.

11. É de saudar que sejam explicitados os Direitos do Homem como os valores e princípios que deverão servir de fio condutor a todo o plano.
Parece-nos, no entanto, que na correcta e mais ou menos exaustiva enumeração dos direitos da “personalidade”, numa perspectiva anglo-saxónica, não faz muito sentido referir, isoladamente, o direito ao trabalho. Ou se faz também uma enumeração, mais continental, dos direitos “sociais” (saúde, trabalho, habitação, ensino, etc.), começando, desde logo, pelo direito à saúde, ou estes são meramente exemplificados no direito à não discriminação.

12. Nos princípios, define-se liderança como um instrumento que disponibiliza orientações.
Pensamos que deve haver mais ambição na definição da entidade e no mandato ou funções que se devem atribuir a uma liderança. Qualquer das definições comummente aceites (nos 3 uns, por exemplo) são mais claras e assertivas quanto ao que se entende e pretende de uma liderança única. Sugerimos que “instrumento” seja substituído por “entidade” (e que se defina qual é) e “disponibiliza” por “advoga”, “suporta”, “implementa”, “impõe”, etc.
Também aqui as funções não se podem resumir à política e às práticas de prevenção, mas englobar todas as actividades do plano (tratamentos, cuidados de saúde e apoio e suporte às pessoas infectadas e afectadas).


13. Os princípios directores do Programa enunciados incluem a “Eficácia” e a “Acção baseada na prova”.
Embora estejamos de acordo com o princípio da eficácia, não nos parece que a sua descrição esteja correcta. Deverá ser encontrada uma definição do que se pretende – a eficácia pode ser medida – e acrescentar o princípio da monitorização ou avaliação que, este sim, corresponde à descrição apresentada.
Já quanto à acção baseada na “prova”, temos um problema epistemológico. Entendemos que só se pode provar o que está errado – como parece, muito bem, admitir o texto que descreve este princípio –, e que, portanto, a acção tem de ser baseada no estado da arte.


14. No princípio da “Colaboração”:
Falta, mais uma vez, qualquer referência a tratamentos, cuidados de saúde e apoio e suporte às pessoas infectadas e afectadas.

15. No princípio da “Participação”:
A participação deverá incluir também as fases de implementação e avaliação e não apenas a tomada de decisão. Por outro lado, o modelo de participação da sociedade civil, para ser claro e transparente e poder exigir a responsabilização de todos os participantes, deverá ser posto em discussão pública, a exemplo do Livro Verde da União Europeia sobre a luta contra a droga, do Civil Society Forum e do Think Tank.


Metas, Áreas de intervenção, etc. – página 11

16. Estabelece-se uma primeira meta quantitativa global de redução do número de novas infecções e de diminuição dos novos casos e de mortes por SIDA, em 25%.
Destes 3 indicadores, apenas o número de mortes pode já ser determinado com algum rigor, com base nas certidões de óbito e nos dados do INE. Tanto em relação ao número de novas infecções pelo VIH, como de novos casos de SIDA, os reconhecidos atrasos nas notificações e a sub-notificação existentes, as deficiências e as limitações do actual sistema de vigilância, tornam muito difícil, para não dizer impossível, saber a situação presente e medir qualquer eventual progresso.
Pensamos, por um lado, que a redução de 25% da mortalidade, quando comparada com o impacto das terapêuticas mais eficientes noutros países e regiões em que estão disponíveis, não é suficientemente ambiciosa. Qualquer redução, em três anos, inferior a 50% parece não ser aceitável.
Por outro lado, e em relação aos restantes objectivos, pensamos que seria mais correcto: a) definir um calendário para a implementação de um novo sistema de vigilância epidemiológica que permita quantificar com algum rigor a situação actual; b) definir os indicadores directos ou indirectos (sentinela) e escolher, entre os mecanismos laboratoriais existentes, os que poderão melhor medir as “novas” infecções e os “novos” casos de SIDA, isolando-os dos efeitos conjugados de melhor conhecimento da epidemia, recuperação de atrasos e omissões nas notificações e de aumento e maior rapidez das mesmas, e só depois estabelecer de que indicadores se pretende observar a evolução, estabelecendo metas concretas, mensuráveis e realísticas.


17. Estabelece-se como segunda meta contribuir internacionalmente para a redução da transmissão do VIH através da ajuda pública ao desenvolvimento.
Pensamos que deverão ser assumidos compromissos mais concretos para esta ajuda. Deverá ser definido um montante (com base nos compromissos internacionais ou noutras iniciativas mais “generosas”, como a “Fair contribuition”, por exemplo). Deveria ser assumida uma posição política mais proactiva, no campo internacional e regional, na defesa de iniciativas já existentes e que contribua positivamente para o objectivo expresso (Global Fund, UNITAID, Fair Price Coalition, OMC e Doha principles, IPRI, etc.).


Áreas de intervenção, etc. – páginas 12 a 38

Na grande maioria das áreas de intervenção – definidas por um enquadramento geral, objectivos e estratégias –, os objectivos não estão quantificados ou não têm associado um calendário de implementação.
Esta situação impossibilita uma avaliação e monitorização significativas e objectivas. Mesmo tratando-se de um programa a ser complementado com um Plano de Acção e Planos Sectoriais, em nosso entender os objectivos gerais deveriam ter associadas metas, também gerais, e calendários mais detalhados para implementação das várias iniciativas ou processos.


18. Capítulo 1 – página 13
Pode haver alguma sobreposição ou contradição com os objectivos do capítulo 11. Qualquer sistema de informação e vigilância a implementar deve permitir, simultaneamente, responder às necessidades internas (nacionais) e externas (internacionais) de informação, conhecimento e reporte. Devem ser tidos em consideração os sistemas de informação e vigilância de 1ª e 2ª gerações desenvolvidos pela OMS/ONUSIDA e EuroHIV.
Falta um calendário ou compromisso temporal para a implementação e não existe qualquer referência a indicadores sentinela que, em nosso entender, são os que permitem uma atitude mais proactiva.
Não é claro onde e quem centraliza a implementação e supervisão do novo sistema de vigilância epidemiológica.
A quinta estratégia definida para o primeiro objectivo parece que seria mais correctamente classificada como objectivo.
Não nos parece que a última estratégia relativa ao objectivo 1.1 (modificar o actual sistema de vigilância...) esteja correcta. Pensamos, sim, que as associações que “representam” os doentes (ver notas iniciais) devem estar envolvidas na obtenção de informação periódica sobre conhecimentos, atitudes e comportamentos, etc. (objectivo 1.2).


19. Capítulo 2 – página 15
Entendemos que a primeira frase do Enquadramento é confusa e enganadora. Num país onde nunca existiu uma estratégia nacional de prevenção, imputar ao conhecimento da eficácia (o que será que se quer dizer com efectividade?) terapêutica a não utilização ou a utilização inconsistente do preservativo e a desvalorização da prevenção, escamoteia o problema e pode orientar para soluções incorrectas ou prematuras face à situação existente.
O segundo parágrafo começa com a ideia de que os comportamentos se modificam. Pensamos ser mais correcto, mais objectivo e mais realizável, estabelecer que o elemento central de todas as actividades de prevenção deve ser agir para reduzir os riscos associados a determinados comportamentos.
Deverá ser explicitado o que se entende por “tipo concentrado de epidemia” e de que forma esta característica afecta o plano e actividades de prevenção.
Nos grupos descritos como exemplos da dimensão e importância da epidemia, falta menção expressa aos homens que têm sexo com homens e transsexuais, que não devem ser subsumidos nas minorias sexuais.
Quando se fala de grávidas, devem ser incluídas as mulheres que querem engravidar, o que implica o alargamento da prevenção ao planeamento familiar.
Parecem-nos imprudentes as considerações demasiado optimistas sobre a transmissão vertical e através de dádiva de sangue ou órgãos no nosso país. Das notificações mais recentes (dados de Junho de 2006), houve respectivamente um caso e dois casos em 163 notificações (em valores absolutos os números de casos foram iguais ao do total do ano de 2005, sem falar dos dados do estudo patrocinado pela extinta CNLCSIDA em relação às grávidas na área metropolitana de Lisboa.
Excepto em relação ao objectivo 2.5 – o único que aparece quantificado em todas as áreas de intervenção –, todos os restantes são definidos apenas qualitativamente e sem um cronograma associado. Era interessante ver em quanto e quando se pretende aumentar os comportamentos preventivos e o acesso a medidas de prevenção das populações referidas (UDIs, reclusos, em meio ocupacional e não ocupacional).
Em relação ao objectivo 2.1 a educação sexual no currículo escolar e a distribuição de preservativos, masculinos e femininos, nas escolas e locais de trabalho ou diversão das populações alvo, são claramente omissas como estratégias para aumentar a proporção dos adolescentes e jovens adultos que adoptam comportamentos preventivos, nomeadamente a utilização consistente do preservativo.
No objectivo 2.1, deve ainda ser expressamente mencionado “independentemente da orientação sexual”.
Em relação ao objectivo 2.2, o target “trabalhadores sexuais” deveria ser substituído ou complementado por “intervenientes em práticas de sexo comercial”.
Não será aceitável que o acesso a medidas de prevenção em meio prisional não tenha como objectivo a cobertura a 100% desta população.
A utilização consistente do preservativo feminino – objectivo 2.2 – não é servida por nenhuma das estratégias indicadas. A disponibilidade e acessibilidade do preservativo feminino são, claramente, uma estratégia omissa neste plano.
Em relação ao objectivo 2.3 – talvez na sequência do que está escrito no segundo parágrafo, acima comentado –, mistura-se alteração de comportamentos com redução de riscos associados a determinados comportamentos.
O objectivo do tratamento da toxicodependência é a alteração de comportamentos, enquanto que, num plano de prevenção do VIH, o objectivo principal deve ser a redução de riscos associados à partilha de material de injecção de drogas.
Estas duas realidades devem estar claramente separadas para que a prevenção possa ter algum sucesso, alcançando todos os destinatários e não apenas os utilizadores que se querem tratar.
O título do objectivo 2.8 deveria ser alterado. Aparentemente o objectivo que se pretende atingir é garantir o acesso à profilaxia pós exposição não ocupacional, tendo em atenção, em especial, os casos dos pares sero-discordantes e dos trabalhadores sexuais. Neste sentido, as estratégias a seguir serão produzir as respectivas recomendações e apoiar a sua divulgação, esclarecimento e implementação no âmbito do Sistema Nacional de Saúde e, eventualmente, utilizar os mecanismos de contratualização para promover a sua utilização.


20. Capítulo 3 – página 19
Este capítulo levanta problemas demasiado controversos e, aparentemente, aponta para soluções não aceitáveis pela comunidade e que não são sequer ainda objecto de uma posição clara e consensual nem por parte da OMS nem da ONUSIDA.
Falamos basicamente dos problemas do VCT e do PITC. Não é claro, para nós, se há uma opção definitiva no plano em relação a estas alternativas.
Algumas das afirmações em relação ao aconselhamento estruturado não são aceitáveis. A ideia do rastreio obrigatório ou do conhecimento da prevalência total não nos parecem ter qualquer eficácia ou pertinência.
Não confundir estes problemas nem com o acesso universal, voluntário e informado ao conhecimento do estatuto serológico nem, sequer, com a promoção do teste voluntário e informado.
A estratégia de executar projectos-piloto de detecção precoce nos serviços de urgência e de internamento parece ir decididamente contra qualquer possibilidade de consentimento informado. É infelizmente uma prática, que conhecemos por experiência própria, do sistema nacional de saúde em Portugal e da qual nunca se viu resultar qualquer impacto positivo, quer em relação ao maior conhecimento da infecção, quer em termos de referenciação adequada.
Embora nos pareça que o envolvimento das ONGs pode ser muito significativo na garantia do aceso ao aconselhamento, diagnóstico, referenciação e ao sistema de saúde por parte das populações mais vulneráveis, esta estratégia tem de ser cuidadosamente pensada, não deve ter associado qualquer incentivo financeiro e tem de ser enquadrada por um protocolo de princípios e boas práticas que garanta, absolutamente, a voluntariedade do teste e a não existência de quaisquer penalizações, nem para a ONG nem para os seus utentes, no caso de recusa de realização do teste.
Sem pretender discutir a semântica, entendemos que quer a reestruturação dos CADP quer a introdução dos testes móveis seriam mais correctamente classificados como objectivos decorrentes do objectivo geral de assegurar o acesso universal ao conhecimento do estatuto serológico. São quantificáveis e mensuráveis e indicadores indirectos do objectivo principal. O mesmo se pode dizer em relação à terceira estratégia enunciada para o objectivo 3.2.


21. Capítulo 4 – página 22
No final do segundo parágrafo da introdução, pensamos que com “eficiência e efectividade” se pretende dizer “eficiência e eficácia”. O mesmo em relação a igual expressão no sexto parágrafo.
No terceiro parágrafo, entendemos que deve ser acrescentado aos principais factores de prognóstico a qualidade da prescrição e dos cuidados prestados.
Entendemos que falta, neste capítulo, um objectivo que se vem demonstrando ser cada vez mais importante para o acesso universal ao tratamento de acordo com o estado da arte.
Referimo-nos ao custo dos medicamentos – problema que a estratégia de contratualização, sendo positiva, não resolve. Entendemos que o programa deveria apontar para a redução efectiva dos custos dos medicamentos, em primeiro lugar, avaliando-os nos termos do cumprimento dos parâmetros estabelecidos na legislação existente, depois, propondo alterações legislativas – como as recentemente aprovadas em França –, no sentido da redução de preços de medicamentos há mais tempo no mercado, e, por último mas não menos importante, acompanhando de forma pró-activa as iniciativas internacionais no sentido da redução dos preços.
O objectivo 4.1 deve incluir medidas activas de promoção da qualidade da prescrição e, no conjunto de estratégias enunciadas para atingir este objectivo, deve ser incluída a formação dos clínicos, a monitorização das terapêuticas prescritas e sua conformidade com as recomendações publicadas e a auditoria clínica, à semelhança dos clinical audits da BHIVA.
Sendo embora certo que, na sexta estratégia enunciada para o objectivo 4.1, se refere expressamente a centralização da (na?) farmácia hospitalar, não resulta claro se, de uma vez por todas, se abandonou ou não a distribuição de ARV pelas farmácias de oficina, medida em relação à qual é suficientemente pública e conhecida a oposição do GAT.
Tanto nas estratégias enumeradas para o objectivo 4.1 como para o 4.2 são referidas “organizações representativas dos doentes”. Chamamos a atenção para o ponto prévio C. sobre a falta de propriedade desta expressão, cuja rectificação pensamos dever ser feita.
Talvez por falta de caracterização da figura de “gestor de saúde do cidadão” não entendemos o que se pretende com o objectivo 4.3.
No objectivo 4.4, devem ser expressamente mencionados migrações legais ou ilegais.
Em relação às estratégias enunciadas para cumprir este último objectivo, pensamos que se deve começar por implementar e generalizar a aplicação das soluções existentes no actual quadro legal, avaliar a sua eficácia e melhorá-las com base na experiência adquirida.


22. Capítulo 5 – página 25
No primeiro parágrafo do Enquadramento, para além da menção à habitação e emprego, entendemos que se deve referir, expressamente, a escola (onde tantos problemas de exclusão têm surgido em PORTUGAL) e ainda que deve existir uma referência explícita às mulheres e outros grupos mais vulneráveis à discriminação.
Embora se entenda que os objectivos aqui definidos se centram na procura do enquadramento nos normais circuitos da saúde e da solidariedade social das respostas actualmente providenciadas, numa base de projectos sem continuidade assegurada, pelas organizações da sociedade civil – procura que nos parece positiva – entendemos:
§ Faltam outros parceiros institucionais, como a educação e o trabalho.
§ Deve ser encontrada uma forma objectiva, participada e independente de avaliação dos projectos em curso que permita garantir a validade da sua integração nas estruturas regulares.
§ Deve ser garantida aos profissionais dos serviços envolvidos formação específica nas áreas da exclusão e susceptibilidade à vulnerabilidade.
§ Tem de ser assegurado um período de transição entre os programas ou projectos financiados pelo ADIS e garantido que não existem descontinuidades, quer na existência e disponibilidade de serviços quer na sua qualidade.


23. Capítulo 6 – página 27
O maior problema que se coloca em relação ao capítulo 6 e aos seus objectivos é o de encontrar formas de medir a sua realização. As estratégias apontadas não parecem suficientes.
Parece-nos indispensável a inclusão das pessoas com VIH ou SIDA e/ou as suas organizações na avaliação da discriminação e marginalização de que são alvo e na promoção dos seus direitos.
Deveria ser encontrada uma metodologia segura e um ou mais instrumentos (help lines e call centers, como em Espanha, por exemplo), credíveis e respeitados, facilitadores daquela inclusão. Podem ser utilizados instrumentos já existentes, nomeadamente o Provedor de Justiça e/ou as Inspecções dos Ministérios da Saúde, etc., desde que sejam garantidos aspectos essenciais, como a reserva da confidencialidade e a urgência ou prioridade de solução para algumas das situações – falta de medicamentos, por exemplo.
Pensamos ainda que o envolvimento das organizações que advogam os direitos dos cidadãos na redução do estigma e discriminação das pessoas com VIH ou com SIDA deveria ser um objectivo, para além de serem mencionados como potenciais parceiros estratégicos. Isto poderá obrigar a rever algumas das limitações legais ao âmbito da actividade destas organizações – o que será um objectivo adicional –, capacitando-as para a representação destes casos.


24. Capítulo 7 – página 29
Quer o enquadramento, quer os objectivos, quer as estratégias, nos parecem demasiado gerais. Entendemos que deveriam ser descritos quais os outros actores relevantes que se pretendem associar e quais as responsabilidades a partilhar com cada um.
Para além das instituições e organismos governamentais já noutras ocasiões referidos de forma genérica neste plano, Saúde, Solidariedade Social, Educação, Ensino Superior, Defesa e Trabalho, pensamos que deveriam ser especificadas, por um lado, quais as instituições políticas que deveriam ser envolvidas na liderança política – PR, AR, PM, etc.
Por outro lado, dadas as características da infecção, das formas prevalentes de transmissão e de infecções oportunistas ou associadas em Portugal, pensamos que se tem de apontar e envolver nesta partilha de responsabilidades organismos específicos, existentes ou a criar, governamentais ou não, nomeadamente com responsabilidades nas áreas da utilização de drogas, da tuberculose, das hepatites.
Mesmo que se diga que tal pode ser remetido para o plano de acção ou para os planos sectoriais a desenvolver, era bom que ficasse claro desde o início com que entidades se conta e o que delas se espera. Se vai ser necessária a sua participação activa no futuro, não podem deixar de o saber desde já, não podem deixar de dar o seu contributo nesta fase, também para que não seja posta em causa esta partilha de responsabilidades.


25. Capítulo 8 – página 30
Entendemos que na área da formação de todos os intervenientes no processo de prevenção, tratamento, cuidados e suporte às pessoas que vivem com VIH ou com SIDA, sejam ou não profissionais de saúde, deve ser incluída a formação nos aspectos éticos relacionados com a saúde em geral e com o VIH em particular.
Por outro lado, a excelência da formação só poderá ser assegurada se forem incluídas, como agentes formadores, e devidamente reconhecidos e remunerados como peritos na sua área de experiência e conhecimento, pessoas que vivam com o VIH ou com SIDA ou por elas afectados.
Pensamos que o objectivo 8.2 é demasiado modesto. É evidente que a existência de um professor com formação específica para a saúde em todas as escolas é melhor do que a situação actual. Mas parece aceitar-se como um dado inultrapassável a inexistência de educação sexual no sistema de ensino e a educação sexual é muito mais do que a educação para a saúde.
Por outro lado, não se vão avaliar ou ignoram-se, quer as experiências das poucas escolas-piloto com essa disciplina há já vários anos, quer os resultados e consequências da actual política, seguida na enorme maioria dos estabelecimentos de ensino, da “transversalidade” e da tónica na dita educação para a saúde.
Nas estratégias enumeradas para a concretização do objectivo 8.4, preferiríamos, por razões que nos parecem óbvias, ver individualizados os estímulos e apoios às publicações dirigidas à prevenção das dirigidas à educação para o tratamento.


26. Capítulo 9 – página 33
Entendemos que a visão que enforma este capítulo sobre o fomento da investigação é demasiado redutora e “nacional”. Se o diagnóstico da diminuta expressão da investigação científica dirigida ao VIH entre nós está correcto e a solução que parece mais eficaz é a colaboração internacional, como se aponta, então os objectivos e as estratégias deverão ser definidos de forma mais concreta e mensurável em relação a esta colaboração.
Existem diversos modelos de colaboração, quer a nível europeu quer global. Nem todos serão de interesse. Não é indiferente que a investigação seja financiada por fundos públicos, nacionais, europeus ou globais ou privados, das companhias farmacêuticas ou de outras entidades. O acesso a qualquer destas origens de financiamento apresenta condicionalismos que terão de ser avaliados e aceites ou não.
Entendemos que, sem naturalmente limitar a independência do investigador, o plano deveria ter como objectivos:
§ Estabelecer a entidade com responsabilidade de definir ou indicar áreas prioritárias de investigação que respondam a características específicas da infecção no nosso País, nomeadamente os problemas das co-infecções com hepatite C e TB (as quatro indicadas como sub-objectivos cobrem tudo). Pensamos ainda que talvez seja necessária menos, e não mais, investigação, mas melhor, e feita pelas razões correctas.
§ Identificar e resolver problemas concretos existentes e que limitam ou impossibilitam o desenvolvimento das investigações prioritárias.
§ Favorecer um modelo de cooperação internacional que, independentemente dos fundos disponíveis, mais se adapte às prioridades definidas/aceites.
§ Facilitar, em meios humanos, técnicos e financeiros a articulação e participação dos investigadores nacionais nessas parcerias.


27. Capítulo 10 – página 35
Em relação ao terceiro parágrafo do enquadramento, entendemos que a SIDA é, em primeiro lugar, um problema de saúde. Só se torna um problema social, cultural, de desenvolvimento e de segurança, se a questão de saúde não for encarada em primeiro lugar e como prioritária. A descrição que é feita não salienta, devidamente, esta lógica, pelo que propomos a sua alteração.
Por outro lado, e se bem entendemos o enquadramento deste capítulo, temos de notar que nenhum dos objectivos garante “uma voz nacional de participação e apoio à estratégia internacional”. Refere-se apenas a melhoria da coordenação das actividades do Estado Português (objectivo 10.1), o que, sendo um progresso face à situação actual, nos parece insuficiente.
Por outro lado, ao objectivo geral, definido, de forma que entendemos ambiciosa, vaga e sem possibilidade de quantificação e avaliação, como “contribuir para a redução da transmissão do VIH no Mundo”, não se vê associada qualquer estratégia concreta cuja concretização e implementação possa ser, pelo menos, monitorizada e que permita dar passos no sentido do objectivo proposto.
Não estão definidos ou propostos os instrumentos de definição das orientações, o nível de enquadramento político que se exige para sua implementação, nem os valores da ajuda pública afectos a este fim.
É sabido que existem várias iniciativas internacionais (Global Fund, UNITAID, etc.) na área da ajuda pública ao desenvolvimento, em relação às quais o Estado Português tem tido uma postura pouco activa e uma participação muito modesta e sempre em atraso em relação aos seus compromissos e obrigações.
Na área da cooperação e relações internacionais, é também necessário definir uma postura clara em relação a vários outros aspectos, nomeadamente, a acessibilidade dos medicamentos nos países em desenvolvimento e não só, preços e direitos de propriedade intelectual, genéricos, registo compulsório e liberalização de patentes, Doha Round e WIPO, etc.


28. Capítulo 11 – página 37
Em relação à avaliação e monitorização do programa, relembramos o que foi dito nos comentários ao Capítulo 1. Não pode haver aqui sobreposição ou conflito de instrumentos nem se pode pretender criar um sistema de tal forma complexo, completo e “final” que acabe por não ser, minimamente, operacional.
Por outro lado, para que a avaliação seja credível, não chega que os indicadores sejam fiáveis. É necessário garantir a independência da mesma através de uma auditoria externa e sistemática.

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